agosto 24, 2006

Transição em Cuba: uma lição a tirar

por Jairo José*

Retomando a história do comandante, logo após comunicado sobre o estado de saúde de Fidel Castro e a delegação provisória de seus cargos, altos funcionários dos Estados Unidos da América deram declarações cada vez mais explícitas acerca do futuro imediato de Cuba. O secretário de comércio Carlos Gutiérrez opinou que "chegou o momento de uma transição real que faça uma verdadeira democracia" e o porta-voz da Casa Branca Tony Snow disse que seu governo está "ansioso para dar assistência humanitária, econômica ou de outra natureza ao povo de Cuba", o que acaba de ser reiterado pelo Presidente Bush.
Frente a isso podemos, democratas, progressistas e defensores da soberania dos países e principalmente revolucionários, seguindo inclusive as declarações de Raul Castro, reforçar a necessidade de nos mobilizarmos o quanto seja necessário na defesa da Revolução. Cabe ao cubano elevar a vigilância revolucionária e apoiar o comunicado do Comandante em chefe e continuar fortalecendo a unidade em torno do Partido, a Fidel, a Raúl e ao Governo, em defesa do Socialismo e frente a qualquer agressão inimiga.

Mas temos talvez outra lição para tirar de tudo isso. Porque essa possível sucessão pode ser tão temerária? Porque existe uma crise anunciada em todo um país pela “simples” possível perda de um líder? Porque não se prepararam para uma possível e inexorável troca de comando uma vez que somos seres humanos expostos à decrepitude do corpo e a finitude da vida? Na verdade vamos mais além: porque todos nós não nos preparamos para a ação inconteste do tempo? Mais que filosófica, é essa, principalmente para as esquerdas, uma questão política.

A escolha e a formação de novas lideranças é em essência a ação que deve ser feita também pelos motivos certos, ou seja, você deve fazê-la justamente porque é seu dever. Quando isso não acontece a história nos mostra as conseqüências imediatas, vide Stalin, Tito, Enver Hjoxa.

É paradoxal que socialistas que comungam fundamentos do materialismo dialético e científico, se deixem entregar ao sonho romântico da imutabilidade e do líder eterno.

E o que deve nortear a formação de novos líderes e lideranças em todos os escalões, (sejam de governo ou partidos? A grande responsabilidade que vem com o grande poder não é apenas, e tão somente, de usar esse poder e sim a obrigação de não prejudicar aos outros usando-o de modo errado.

Talvez Sêneca tenha tentado mostrar um caminho para a formação de novas lideranças e como todo filósofo clássico, ensina como se tornar um grande líder a exemplo de outro sem exercitar a crítica, dizia ele – “valorize um homem de grande caráter e tenha-o sempre em mente. Então viva como se ele o estivesse observando e ordene as suas ações como se ele as visse”.

Mas se os líderes não puderem ser criticados, que novos líderes estaremos forjando? Serão eles são apenas cópias, em duas dimensões, de mitos. Perde-se a profundidade, perde-se o espírito crítico, esquecemos da falibilidade humana. E essa é uma das principais facetas do animal político que é o homem.

O que vem ocorrendo em Cuba nos remete à temeridade de não renovar quadros, de não investir em formação, de não substituirmos direções que embora históricas podem estar enfastiadas ou demasiadamente enraizados no cargo. Oxigenar os partidos e manter acesa a chama, isso é científico. O que vem ocorrendo em Cuba é uma lição a tirar.

E do ponto de vista prático e político frente a esta ameaça americana crescente contra a integridade de uma nação, a paz e a segurança na América Latina e no mundo, devemos exigir que o governo dos Estados Unidos respeite a soberania de Cuba. Todos nós, indignados com as injustiças, devemos nos colocar contra mais essa agressão ianque.

Israel e a Mídia Internacional

por Lejeune Mato Grosso*

Apesar de não apostar um centavo que a Resolução da ONU sobre o cessar fogo será integralmente cumprida na região do Sul do Líbano, especialmente por parte de Israel, a questão que quero tratar esta semana em minha coluna semanal é sobre como a mídia internacional trata a questão palestina e de Israel.
jornais árabes

Durante quase 20 anos de docência na Universidade, como professor de Sociologia Geral, ministrava de quando em vez a disciplina de sociologia da comunicação, cujo objeto central era a comunicação de massa como fato social e objeto de estudo dos sociólogos. Alguns colegas preferem chamar essa modalidade de Sociologia da Informação, cujo centro é o estudo do conteúdo do que se escreve, dos que se quer divulgar e quais os impactos que isso possa ter na sociedade e nos espectadores.

As regras de ouro da mídia grande

Já há algum tempo circula pela internet, de autoria anônima, um conjunto de comentários sobre o comportamento da mídia grande, da imprensa internacional, especialmente as grandes redes de TVs, quando o assunto central é Israel. Sempre chamei a atenção dos meus alunos para o fato que os guerrilheiros que lutam pela libertação da palestina não são terroristas como a mídia à serviço do sionismo e do neocolonialismo americano no Oriente Médio insiste em chamar esses lutadores. Muitas vezes, esses jovens palestinos têm que usar seus próprios corpos como arma para atingir seus objetivos, fazerem-se ouvir, ainda que isso possa causar dor e sofrimento. Em todas as épocas na história atividades de sabotagem, ataques e atentados foram utilizados. Já comentei em colunas anteriores que se formos levar a sério essa denominação de terrorista para quem usa o seu corpo, se mata para matar outras pessoas, o primeiro e mais famoso terrorista foi Sansão, da bíblia do Antigo Testamento, que ao derrubar as colunas do templo, matou pelo menos três mil filisteus (os antigos palestinos).

Gostaria de comentar aqui essas regras de ouro dessa mídia internacional.

1. No Oriente Médio, são sempre os árabes que atacam primeiro e Israel apenas se “defende”. Essa resposta chama-se “represália”. Os leitores mais atentos já devem ter percebido isso. Nunca é Israel quem ataca primeiro, ainda que praticamente todas as guerras de árabes e judeus tenha sido de iniciativa de Israel. A história registra massacres famosos perpetrados pelos terroristas do Irgun, do Haganáh e outros grupos judaicos a serviço de seu projeto sionista de colonização da Palestina. Assim, para o grande público, Israel é sempre “vítima” dos palestinos, numa nítida inversão de valores, pois não há equilíbrio de forças alguma entre essas duas partes no conflito e uma assimetria completa de forças. Os árabes é que sempre levam a culpa pelos conflitos;

2. Os árabes, os palestinos e os libaneses não têm direito de matar civil. A isso se chama de “terrorismo”. Israel tem o direito de matar civil. Isso se chama de “legítima defesa”. Nessa guerra recente, no massacre que Israel perpetrou no Líbano e na Faixa de Gaza, onde mais de 1,2 mil árabes foram mortos, alguns de forma mais atroz possível, os israelenses nunca foram chamados de terroristas. Ataques a civis quando são os judeus que fazem, não tem importância ou problema algum, mas quando são os guerrilheiros palestinos ou libaneses que o fazem, são “terroristas”. Quando Israel ataca indiscriminadamente árabes, como tem feito desde a instalação de seu estado em 1948, a imprensa grande chama essa atitude de “legítima defesa”, não importando quantos mortos ficaram pelo caminho, sejam elas crianças, mulheres, velhos, como no massacre de Sabra e Chatila em setembro de 1982, quando quase três mil palestinos foram assassinados pelas falanges libanesas protegidas pelo exército de Israel, sob comando de Ariel Sharon;

3. Quando Israel mata civis em massa, as potências ocidentais pedem que seja mais comedida. A isso se chama de “reação da comunidade internacional”. Não há esboço nenhum, além de pequenas reações de alguns países, tímidos, aos atos terroristas que Israel comete. A ONU mesmo se mostra impotente, pelo apoio direto que os Estados Unidos têm dado à Israel. Neste caso recente do massacre de mais de mil libaneses e quatro mil feridos e um milhão de deslocados, bem como a destruição quase completa de boa parte das cidades do Líbano, demorou 34 dias para que o Conselho de Segurança votasse uma Resolução do cessar fogo. Isso porque na verdade o que os países centrais não querem e talvez não consigam, é enfrentar a potência americana;

4. Os palestinos e os libaneses não têm direito de capturar soldados de Israel dentro de instalações militares com sentinelas e postos de combate. Isso se chama de “seqüestro de pessoas indefesas”. Israel tem o direito de seqüestrar a qualquer hora e em qualquer lugar quantos palestinos e libaneses desejar. Atualmente são mais de 10 mil prisioneiros, dos quais 300 crianças e mil mulheres. Nesse caso recente, o que ocorreu foi exatamente isso. Guerrilheiros palestinos capturaram, em combate, soldados israelenses, que não eram nem estavam indefesos. Ao contrário. Foram capturados em combate, dentro de suas fortalezas e com sentinelas. Mas toda a mídia saiu em defesa dos três soldados israelenses (dois seqüestrados pelos libaneses e um pelos palestinos). Israel para fazer seus seqüestros não necessita nem de processo, nem de culpabilidade. Simplesmente invade residências e prende quem achar que deve prender. Esses prisioneiros de guerra, que são também prisioneiros políticos, não tem direito a defesa e a um julgamento justo e Israel os mantém presos indefinidamente. Até membros do parlamento e do governo palestino, como recente seqüestro do vice-primeiro Ministro palestino. A isso a mídia internacional chama de “prisão de terrorista”;

5. Quando se menciona a palavra “Hezbolláh” na mídia grande, é preciso em seguida vir a frase “apoiada e financiado pela Síria e pelo Irã”. Quando se menciona a palavra “Israel”, é proibida a menção a “financiado pelos Estados Unidos”. Se isso ocorresse, poderia se dar a impressão de que o conflito é desigual e que Israel não estaria em perigo existencial. Ou seja, não se pode passar a idéia de que Israel é uma potência e que esta sempre ameaçada. Se um dos lados em conflito estiver apoiado por dois países islâmico, a opinião pública poderia aceitar mais “naturalmente” a reação israelense. Aqui, em lugar algum da mídia internacional levanta-se a simples e natural hipótese de que o apoio político e mesmo militar que Irã e Síria possam dar e não só seus governos, mas seus povos é na linha da solidariedade e comprometimento com a luta justa dos palestinos e libaneses. Israel recebe dos EUA ao ano e todos os anos regularmente, pelo menos quatro bilhões de dólares, além de toda a ajuda militar, armamentos etc.;

6. Quando a mídia se referir a Israel fica terminantemente proibida serem usadas as expressões “Territórios Ocupados”, “Resoluções da ONU”, “Violações dos Direitos Humanos” ou “Convenções de Genebra”. Israel viola sistematicamente todas as decisões da ONU – mais de uma centena – no que diz respeito aos territórios palestinos ocupados, violações de direitos humanos desse povo, bem como todas as convenções e tratados de Genebra sobre direito internacional. Trata-se de territórios palestinos ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias de junho de 1967, quando toda a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém foram ocupados, bem como parte do Líbano, da Síria e do Egito. Foi a maior expansão do Estado Judeu na história da região. A imprensa grande praticamente nunca menciona as dezenas e dezenas de resoluções que foram aprovadas seja pelo CS ou pela própria Assembléia Geral, condenando Israel. Este Estado – que alguns autores classificam como estado “bandido” – sequer se dispõe a cumprir resolução alguma da ONU e simplesmente não se fala mais nisso. Quando a resolução é para desarmar o Hizbolláh, faz-se um coro unido internacionalmente para que ela seja imediatamente cumprida. É a política de dois pesos e duas medidas que chamam os palestinos;

7. Todos os palestinos e libaneses são “covardes” que se escondem entre a população civil que “não os quer”. Os palestinos dormem em suas próprias casas, vivem com suas famílias. Israel chama isso de “covardia”. Em seguida, Israel bombardeia indiscriminadamente essas casas, e a mídia lhes concede o “direito” de aniquilar com bombas e mísseis centenas de líderes da resistência, usando bombas e artilharia aérea, matando-os, em sua maioria, quando estão dormindo. A isso a mídia chama de “ataques cirúrgicos de alta precisão” (sic);

8. Os israelenses falam melhor o inglês, o francês, o espanhol e mesmo o português que os árabes. Por isso eles e os que os apóiam devem ser mais entrevistados, devem repercutir suas próprias ações e ter mais oportunidades que os árabes inclusive as presentes regras de ouro do jornalismo com relação à Israel. A isso dão o estranho nome de “neutralidade jornalística”. Todas as redes internacionais de TVs e jornais que mantém correspondentes no Oriente Médio, sequer falam o árabe, língua de mais de 300 milhões de árabes, os maiores interessados em repercutir as ações que são tomadas em seus territórios. Mas, estes pouco ou quase nunca são ouvidos. TVs árabes não tem quase nenhuma penetração no Ocidente, salvo a recente Al Jazeera. Recentemente, uma crise se instaurou em território francês, quando foi censurada a TV Al Manar, que pertence ao Hizbolláh e esta deixou de ser veiculada pelo Eutelsat (canal europeu de satélite). Todos os outros canais árabes (Sharjah TV, Qatar TV, Saudi Arabian TV, Kwait Space Channel, Jamahirya Satellite Channel, Sudan TV, Oman TV e a Egyptian Satellite Channel), que não incomodam nada pelo alinhamento aos seus governos pró-americano, não sofreram nenhuma sanção (1);

9. Todas as pessoas e jornalistas que não estiverem de acordo com as regras anteriores serão considerados “anti-semitas” e até “terroristas de alta periculosidade”. Toda e qualquer crítica que Israel venha receber hoje na grande imprensa, logo o jornalista ou articulista é taxado de anti-semita. Tempos atrás, o combativo jornalista Robert Fisk, do jornal Independent de Londres, considerado progressista para os padrões londrinos, escreveu um artigo intitulado “Sem medo de chamado de anti-semita”, em uma profunda e forte crítica à forma como Israel vem tratando os palestinos.

Um cachorro americano

Gostaria de terminar minha coluna desta semana, compartilhando com meus leitores, para ilustrar os preconceitos que a mídia internacional tem contra os árabes e muçulmanos, contado a todos uma piada que, claro, recebi pela internet. O evento se passa nos Estados Unidos, no Central Park em Nova York.

Um homem passeava tranquilamente por esse famoso parque nova-iorquino, quando, de repente, vê um cachorro raivoso prestes a atacar uma menina indefesa de apenas uns sete anos de idade. Os curiosos olha, de longe, mas, medrosos, nada fazem para defender a menina. O homem não pensou duas vezes e lançou-se sobre o pescoço do cachorro, tomando-lhe a garganta e após muita luta, matou o raivoso animal e salvou a vida da menina. Um policial que acompanhou tudo maravilhado, aproximou-se e disse:
– Senhor, vossa senhoria é um herói. Amanhã todos poderão ler na primeira página dos jornais a seguinte manchete: “Um valente nova-iorquino salva a vida de uma menina”.
O homem respondeu:
– Obrigado pelo elogio, mas eu não sou de Nova York.
– Bom, disse o policial, então a manchete seria: “Um valente americano salva a vida de uma menina”.
– Mas é que eu tampouco sou americano, insiste o homem.
– Bom, isso é o de menos. E de onde você é então?
– Sou árabe, responde o valente homem.

No dia seguinte, vários jornais publicam a notícia com a seguinte manchete: “Terrorista árabe massacra, de maneira selvagem, um cachorro americano de pura raça em plena luz do dia e em frente a uma menina de sete anos que chorava aterrorizada”.

Não precisamos nem comentar a dura realidade. Quando isso vai mudar?