julho 21, 2006

Na luta pelo segundo turno, direita canoniza Heloísa Helena

editorial Vermelho

Desde o início de julho quando houve a largada oficial da sucessão presidencial, a oposição concentra-se no objetivo de arrastar a disputa para segundo turno. Para esse fim empreende ações múltiplas e nas últimas semanas intensificou uma delas: a operação de abanar as brasas da campanha de Heloísa Helena.

Essa tática da direita de fortalecer até o ponto que lhe interessa posições e candidaturas da pretensa ultra-esquerda é antiga e no cenário atual da contenda o seu uso é de uma obviedade perceptível, até ao olhar infantil.

A candidatura à reeleição do presidente Lula se apresenta com chances reais de ganhar no primeiro turno. O candidato da direita neoliberal Geraldo Alckmin, mesmo depois de intensa exposição na mídia, empacou no patamar insuficiente para impedir que Lula venha liquidar a fatura já no primeiro turno. A direita não vacilou um só segundo e sacou de uma arma tão velha quanto eficiente: passou a inflar a candidatura da senadora alagoana. Essa candidatura é tão "radical" quanto útil ao interesse da direita que desesperadamente luta para tentar empurrar a disputa para o segundo turno.

Nas últimas semanas, foi escancarado o tratamento "vip" dado pelos meios de comunicação à candidatura de Heloísa Helena. Além da exposição privilegiada, os editores capricharam na escolha das fotos e das imagens e os textos foram de uma benevolência comovedora. Quando foram divulgadas as recentes pesquisas alardeando o chamado fator Heloisa Helena, os analistas políticos apresentaram mil razões explicando a ascensão da candidata nas pesquisas, menos uma das principais: a "operação abano".

O prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, do PFL, demonstrando o apreço e o zelo, de ocasião, da direita pelos destinos da candidata do PSol passou a desempenhar pela Internet o papel de consultor político voluntário. Líderes do PFL e do PSDB em verso e prosa enaltecem os predicados políticos da senadora. Articulistas arriscam escrever madrigais: " Mulher, valente, amena no trato, uma fera na tribuna, símbolo de resistência da velha esquerda...." E mil louvores.

Em outras palavras, o complexo mídia-oposição realizou uma espécie de "beatificação" de Heloisa Helena. E a senadora, diga-se, esforçar-se para merecer. À imprensa disse que, de fato, é socialista, mas que no caso dela, "aprendeu a ser socialista lendo a Bíblia".

É no âmbito da linha política de sua campanha que se revela o outro motivo de seu crescimento momentâneo. Sua campanha tem sido "amena no trato" com quase todos os seus concorrentes, já seu "radicalismo" é direcionado unicamente contra Lula cujo governo, segundo ela, é formado "gente mentirosa, farsante ideologicamente e cínica".

Com esse discurso político visceral contra a verdadeira esquerda, com sua campanha direcionada contra Lula -- que é o único candidato do campo democrático, popular e patriótico que tem chances reais de derrotar a direita neoliberal -- a candidata do PSol está polarizando parcela do conservadorismo dos ricos e o protesto "chique" de setores das camadas médias. Isso está demonstrado na última pesquisa Data Folha que aponta que o melhor desempenho da candidata do PSol se dá nas camadas de maior renda. Outro dado esclarecedor: num eventual segundo turno, os 39% dos que pretendem votar nela migrariam para candidatura de Alckmin.

Para se colocar à altura das expectativas do conservadorismo que não admite a reeleição de Lula, Heloísa assume o ranço anti-popular desses setores da elite que se opõem às políticas adotadas pelo governo Lula para socorrer, emergencialmente, os brasileiros que foram lançados à miséria e à fome. Em relação ao Bolsa-Família, por exemplo, ela o tem como um programa que "joga meninas e meninos na prostituição, no narcotráfico e na criminalidade. É uma esmola que perpetua a pobreza".

Em um cenário como este, a candidatura Lula que tanto pelo que dizem as ruas quanto pelo que apontam as pesquisas tem plenas chances de vitória, inclusive já no primeiro turno, precisa apresentar ao povo brasileiro seus compromissos programáticos. A mensagem de que um novo governo Lula irá avançar na realização de um projeto nacional de desenvolvimento -- assentado na democracia, na soberania e na integração latino-americana, capaz de elevar a qualidade de vida do povo com geração de empregos e distribuição de renda -- é o melhor antídoto quanto à demagogia que venha quer seja da direita quer seja dessa chamada ultra-esquerda.

A candidata do PSol, ante sua subida momentânea nas pesquisas, fala em ultrapassar Alckmin e sonha com o segundo turno. Pura ilusão. Se porventura, a senadora mesmo de longe ameaçar o tucano, se verá, num átimo, essa mesma mídia que hoje a canoniza, a demonizará.

julho 17, 2006

Direita quer "mexicanizar" eleições no Brasil

por Ronaldo Carmona*

As duas últimas eleições presidenciais na América Latina, no Peru, em junho, e domingo passado no México mostraram de forma inequívoca uma pesada reação das forças neoliberais para bloquear a tendência progressista em ascenção na região nos últimos anos. Cabe às forças progressistas brasileiras, reunidas em torno da coalizão pela reeleição do presidente Lula ter em conta essa tentativa de ofensiva da direita na região, que não pode, absolutamente, ser subestimada.

As vozes mais radicais da direita já dão uma pista do que pode vir a ser a estratégia da campanha de Geraldo Alckmin. O prefeito do Rio, César Maia em seu spam (lixo eletrônico) diário, é bem direto na defesa da baixaria como arma para reverter a anemia de popularidade de seu candidato. Citando a recém encerrada campanha mexicana, diz ele: “(Calderon) começou lá embaixo, com 14%, 15%. Obrador já tinha 41%, 42%. Ele iniciou uma campanha dura, negativa, dissecando o Lopez Obrador e o populismo dele. Trouxe especialistas em propagandas desse tipo – seus comerciais são impecáveis e servem de exemplo para uma campanha que nós, que o Alckmin precisa fazer”. “Especialistas em propagandas desse tipo”, diga-se, são marqueteiros norte-americanos contratados pela campanha de Calderon, “especialistas” em contra-propaganda e baixarias de todo o tipo – um especialidade daquele país, demonstrativo do nível rasteiro da política nos EUA. Por aqui, Collor em 1989, também chegou a ser “assessorado” por esses “especialistas”.

O escritor direitista mexicano Carlos Fuentes, ao analisar a eventual eleição de Calderon, em entrevista ao Estadão (05/06/2006), não teve dúvida: “significa que a campanha do medo contra Lopez Obrador (...) funcionou”.

Como comentamos na semana passada, a marca fundamental da campanha mexicana foi o terrorismo da direita mexicana contra Lopez Obrador. Em comerciais de televisão, patrocinados por empresas privadas, através do Conselho Coordenador Empresarial, disseminou-se amplamente o medo de uma vitória de Lopez Obrador. Os mais “suaves” chamavam atenção para “o perigo de mudar de rumo”. Os mais extremistas, acusavam o candidato de ser “pau mandado” de Hugo Chavez. e até mesmo acusava-o de querer expropriar as residências da classe média, semelhante ao que se viu por aqui nas eleições de 1989.

No segundo turno das eleições presidenciais do Peru, entre Alan Garcia e Ollanta Humalla, algo semelhante ocorreu. O vencedor, Alan Garcia, que contou com a adesão da direita –
após sua candidata naufragar no primeiro turno –, baseou toda sua campanha na polarização com Hugo Chavez, que passaria a “mandar no Peru”, caso seu opositor vencesse.

A histérica campanha da grande mídia contra a Bolívia, após a nacionalização do gás em maio último foi uma pista de como se comporta o “partido único” da mídia na luta por impedir mais quatro anos de mandato das forças progressistas no Brasil. Essa semana, aliás, o ingresso da Venezuela no Mercosul – fato extremamente importante para a luta por integrar a América do Sul, pois cria uma coluna vertebral com Mercosul das geleiras da Patagônia ao Caribe –, ao invés de ser comemorada, foi alvo de uma forte campanha negativa da grande mídia. “Um sócio perigoso”, alertou em editorial, o Estado de São Paulo, porta-voz da fração da burguesia nacional vinculada ao projeto de hegemonia estadunidense na região. Noutra matéria do mesmo jornal, estampava “Chavez eleva a tensão no Mercosul”, na qual o jornal, em matéria assinada por seu correspondente de Londres, ouviu “especialistas” para chegar a essa esdrúxula conclusão.

Hugo Chavez, aliás, “satanizado” para essa grande mídia, assim como o foi no Peru e no México, parece ser culpado por todos os males da América Latina. Um exemplo disso. A colunista do Estadão, Sonia Racy, estampava ontem em sua coluna: “Hugo Chavez prejudica industria de sardinhas no Brasil” (sic). Surreal.

Como a estória de ficção do “mensalão”, bombardeada dia e noite por meses a fio não foi suficiente para abalar o prestigio do presidente Lula junto ao povo – cuja renda cresce a taxas chinesas, como vazou na mídia na semana passada –, os círculos das classes dominantes tramam ajustes em sua estratégia.

A motivação é derrotar Lula para colocar a frente do principal país da América Latina um governo dócil e subordinado aos interesses do império do norte. O candidato tucano não deixa duvida sobre isso. Ouvido pela agencia britânica Reuters, “criticou a adesão da Venezuela ao Mercosul” e “reforçou a visão de que poderia remontar a política externa do Brasil”. No mesmo despacho, declarou ainda “ser favorável a Alca”. Numa próxima coluna analisaremos mais detidamente as propostas de política externa no Programa de Governo do candidato da oposição.

Para a direita brasileira associada aos interesses de fora, do centro hegemônico do mundo, é desesperador pensar na possibilidade de mais quatro anos de Lula. Afinal, mais quatro anos sem Alca, mais quatro anos de fortalecimento do Mercosul e da integração sula-americana, mais quatro anos de altivez e soberania em política externa , com instrumentos como o G-20 na OMC impõem freios, ao menos parciais, ao neoliberalismo.

Assim, a coluna vertebral da integração sul-americana precisa ser quebrada custe o que custar. Afinal, para os EUA é uma ameaça estratégica, a longo prazo, a seu domínio unipolar do mundo – como também o são alianças como por exemplo a Organização de Cooperação de Xangai.

A reeleição de Lula, renovando seu mandato até 2010; a reeleição de Hugo Chavez este ano, num novo mandato até 2012; e a reeleição de Nestor Kirchner na Argentina no próximo ano, num novo mandato até 2011 é um pesadelo para Washington e para seus sócios na América Latina. Os três principais países da América do Sul unidos, com um programa integracionista ativo por pelo menos dez anos ininterruptos criam um embrião de um pólo sul-americano, atraindo outros paises menores até por “força gravitacional”.

Por isso é fundamental as forças progressistas brasileiras, agrupadas na batalha pela reeleição de Lula, terem em conta esse cenário de ameaças de “mexicanização” da campanha eleitoral. As forças do atraso e do retrocesso não brincarão em serviço.

A desastrosa viagem de Alckmin à Europa

por Ronaldo Carmona*

“Sem votos no Brasil, Alckmin faz campanha lá fora”. Sem receio de ter cometido um relativo exagero, esta foi a forma encontrada pelo insuspeito (de ser pró-Lula) jornalista Josias de Sousa, da oposicionista Folha de São Paulo, para comentar em seu blog a visita de Geraldo Alckmin à Europa na segunda e terça-feira desta semana.

Recebido por três portugueses – em Lisboa, o presidente Cavaco Silva e o primeiro-ministro José Sócrates, e em Bruxelas, pelo presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso –, carregando consigo o mais novo candidato a papagaio de pirata dessas eleições, Roberto Freire, presidente do moribundo PPS, o que mais chamou a atenção na viagem, no entanto, foram as desastrosas declarações do ex-governador de São Paulo sobre como “aprofundar a inserção internacional do Brasil”, segundo suas próprias palavras.

A viagem parece ter tido o único sentido de enviar uma mensagem de que num hipotético governo tucano voltaria a era fernandohenriquista da bajulação e do “complexo de inferioridade” (ou do “complexo de vira-lata”, como diria Nelson Rodrigues) na política externa.
O texto do esboço do Programa de Governo do PSDB divulgado na Convenção desse Partido em junho, aliás, é claro nesse ponto: “(...) temos interesses e responsabilidades que nos aproximam do mundo desenvolvido, as quais devemos assumir plenamente, sem constrangimento ou demagogia” (p.14). Antes, repete a orientação dominante no governo Fernando Henrique: “É inútil reclamar de processos que estão fora do nosso alcance, mas que afetam nosso presente e nosso futuro” (p.11), referindo-se a globalização e revelando o mesmo deslumbramento do ex-presidente que, aliás, era especialista em dizer bobagens a respeito, como na que comparou a atual etapa histórica do capitalismo à era do renascimento.

O governo Lula, ao invés de aceitar passivamente os preceitos da globalização neoliberal, ao contrário, tem jogado enorme energia na luta (ainda que defensiva) por uma nova ordem mundial, pelo desenvolvimento das nações em desenvolvimento, contra a diminuta margem de manobra dos paises em desenvolvimento para a promoção de políticas nacionais de desenvolvimento. Exemplo mais cristalino disto, é a luta por uma conclusão da Rodada “do desenvolvimento” de Doha num sentido favorável aos países em desenvolvimento – razão da criação do G-20 –, pelo que, inclusive, neste fim de semana, Lula estará na Rússia, na reunião do G-8, como convidado, para pautar essa questão, diante do iminente fracasso das negociações na OMC.

Nota-se que visão estratégica, projeto nacional é algo rarefeito na provinciana visão de mundo do sr. Alckmin. Nessa viagem à Europa, Alckmin saiu-se com a seguinte perola: “vejo que houve uma obsessão pela questão da cadeira no Conselho de Segurança da ONU e não houve, na prática, a concretização de nenhum acordo comercial”, confundindo alhos com bugalhos, trocando o pé pelas mãos como se diz. Talvez por ignorância, mas mais provavelmente fruto de sua visão de mundo, deixa claro que quer o Brasil submisso, dócil, sem jogar o papel que corresponde a um país que objetivamente, tem peso político, econômico, territorial, populacional e em recursos naturais para influir positivamente no mundo atual com a defesa de bandeiras progressistas nas relações internacionais, dentre elas a reforma das Nações Unidas e a necessidade de relançar o multilateralismo. Ao mesmo tempo em que fala manso com os ricos, Alckmin acusa o governo Lula de ser “dúbio e submisso” com a Bolivia. Essa é a marca tucana do “complexo de vira-lata”: falar manso com os poderosos e ser arrogante com nossos vizinhos e países assemelhados.

Isso fica claro também no que diz respeito à política de comercio exterior, onde estão os maiores riscos de retrocessos na hipótese de um governo do PSDB, pelo que se desprende das declarações do candidato oposicionista. “A Alca não andou, o acordo com a União Européia também não, acordos bilaterais não andaram”, disse ele na Europa. Noutra declaração, tratou de dizer “eu não descarto a questão da Alca. Acho até que passou um pouco o time (tempo)”, para em seguida ressalvar: “(mas) nós temos interesse”. A Alca e o acordo com a União Européia não saíram no atual governo por uma simples razão: implicavam, por seu conteúdo, em enormes restrições à possibilidade de o Brasil ter autonomia de políticas nacionais de desenvolvimento. Por isso se insistiu, corretamente, nas negociações no âmbito multilateral (OMC) e na diversificação dos mercados para as exportações – tendo como resultado a duplicação das exportações em três anos e meio e a reversão do déficit em conta corrente, o que para Alckmin, vejam só, é um problema como manifestou em entrevista recente (1)

Ao invés de autonomia e projeto nacional, o tucano defendeu o exato oposto: “novos contratos (de investimentos), atração de investimentos” (agencia Lusa, 10/07/2006). Ou seja, acordos bilaterais de investimentos, modalidade de negociação extratarifaria que é uma das características principais das atuais modelos de tratados de livre comercio negociados pelos países ricos e que implicam em fortes restrições à adoção de políticas nacionais.
Oferecer-se para a retomada da Alca, como fez Alckmin essa semana na Europa, é apequenar-se diante dos desafios de integrar a América do Sul, abrindo mão desse projeto estratégico, decretando o fim de qualquer possibilidade de desenvolvimento autônomo do Brasil e de seu entrono geopolítico.

Atraso e retrocesso. Essa é a marca deixada pelas desastrosas declarações do candidato tucano em sua turnê na Europa essa semana, viagem cujo sentido mais claro, a julgar por suas declarações, foi a de literalmente, vender o Brasil.

Nota

(1) “Repórter: E o cambio, qual o caminho? Alckmin: (...) O outro (problema) é o saldo da balança comercial. Nós estamos sendo vitimas do baixo crescimento. Se o Brasil estivesse crescendo forte, estaria importando mais e o saldo da balança comercial seria menor, e não empurraria o cambio para baixo (...)”. O Estado de São Paulo, 19/03/2006.

julho 06, 2006

Uma leitura sócio-cultural do futebol

por Diorge Alceno Konrad

"Por sorte ainda aparece nos gramados, ainda que seja muito de vez em quando, algum descarado cara-de-pau que sai não se sabe de onde e comete o disparate de desmoralizar toda a equipe rival, e ao juiz, e ao público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança à aventura proibida da liberdade."(Eduardo Galeano)

Definitivamente, alienação, poder político e interesses mercadológicos são sinônimos de futebol.

Senão vejamos. Todos sabem sobre o tricampeonato, na Copa do Mundo de 1970, utilizado pela Ditadura Civil-Militar como propaganda de um País que “ia pra frente”, como já fora utilizado por Vargas como símbolo da unidade nacional durante o Estado Novo.

Todos sabem como, no lugar do debate político e social, consciente e cidadão, o futebol toma horas entre os amigos nos bares e casas, com discussões apaixonadas, desgastantes e infrutíferas sobre o gol legítimo invalidado, o pênalti mal marcado, o impedimento não visto pelo juiz. Outro tanto da discussão se resume aos comentários risíveis e redundantes sobre imagens claras que são passadas e reprisadas, com opiniões banais de “especialistas”, como se o telespectador não tivesse condições de ver por si o que é transparente na tela da televisão.

Todos sabem que o futebol foi transformado em uma das mercadorias mais rentáveis. Em época de Copa do Mundo isto é mais visível ainda, a ponto de que o risco de nossa Seleção não passar para a próxima fase, envolve investimentos de bilhões. O Futebol nos decepciona quando soubemos que alguns são convocados para esta ou aquela seleção para valorizar seu passe, enquanto outros são mantidos no time para aumentar o valor de venda, muitas vezes tendo por trás dirigentes que empresariam suas carreiras.

E nós torcedores, fanáticos muitas vezes, que chegamos a matar pelas cores de nossos clubes ou Seleção, funcionamos como marionetes de interesses subterrâneos do futebol.

Definitivamente, futebol é sinônimo de alienação e de manipulação, tanto da mídia como da política. Definitivamente?

Como, então, explicar a paixão pelo esporte de milhões e milhões de brasileiros? Como entender a permanência da adoração que não resulta em violência, a ponto de o futebol ser encarado como símbolo de uma identidade nacional, da “pátria de chuteiras”, espécie de síntese de nossa formação sócio-cultural? (1)

Independente de nossa vontade, em uma sociedade onde o capital transforma tudo em mercadoria, inclusive as pessoas, não poderia ser diferente com o futebol.

Compreender isto, talvez, seja o primeiro passo, para que aqueles que “vivem do futebol” passem a questionar o sistema que os cerca. Não o futebol em si. Esta, como outras expressões históricas deverá ter maior permanência que as sociedades que o criaram.

A instrumentalização do esporte não explica sozinha esta forma contemporânea de relação social e cultural que ganhou milhões de adeptos em todo o mundo, em particular no Brasil. A música do Skank, especialmente para quem já foi a um estádio, sabe expressar muito bem a coisa linda que é uma partida de futebol.

Paulo Mendes Campos, ao cumprir o dever e não driblar o seu destino, que era amar o futebol, registrou em verso esta sina: amou-o. Sem deixar de amá-lo, o futebol pode ser entendido, analisado, julgado e ser visto além das simples oposições mecânicas entre alienação versus manipulação, frutos de leituras importantes, mas basicamente sectárias. Deve ser visto também como “um domínio em que conflitos sociais e dilemas nacionais são postos em evidência”. (2)

Nelson Rodrigues disse que nossa literatura ignorava o futebol e nossos escritores não sabiam cobrar um reles lateral. Pois bem, aos poucos a literatura foi abandonando esta ignorância. Os historiadores também.

Desde a tradição da história social inglesa, o futebol entrou na seara das pesquisas. Visto como um meio de disciplinarização e dominação sobre os grupos excluídos, mas também como expressão cultural dos trabalhadores fora da fábrica, o futebol ganhou o espaço acadêmico e já é tema do ensino nos bancos universitários e escolares. Eric Hobsbawm nos mostrou que, na Inglaterra, desde os últimos anos da década de 1870, o futebol já possuía uma modesta vida subterrânea como esporte para o espectador operário, se emancipando do patrocínio das classes média e alta na década de 1880, tornando-se cada vez mais parte do universo proletário, tanto para jogadores como para torcedores (3) .Assim acontecerá mais tarde no Brasil.

Na formação social brasileira, nasceu entre filhos de imigrantes e das elites, as quais impediram durante algum tempo os campeonatos entre as ligas dos bairros requintados e aqueles onde residiam pobres e operários. O Rio de Janeiro foi um exemplo. Mas a pressão social, através do futebol, rompeu o racismo ilustrado no “pó de arroz” dos jogadores negros, transformando o campeonato carioca de futebol, na década de 1920, em um único torneio, independente da origem social e étnica dos seus jogadores (4). Quantos clubes “ferroviários” nasceram perto dos trilhos de trem pelo Brasil, como forma de ampliação do mundo do trabalho?

Sob o ponto de vista social, o futebol é o sonho dos garotos pobres da periferia para a ascensão social. Uma minoria chega lá e a Seleção é o maior exemplo. Seus craques viram ídolos e referência de vida para milhares de meninos que, diante da desigualdade, mas estimulados pelo individualismo liberal, vêem que seu talento no futebol é a saída para uma vida de fama e dinheiro. Este imaginário tem sido mais forte que qualquer debate intelectual e acadêmico sobre o tema.

Do ponto de vista econômico, mesmo que com sua lógica, o futebol gera emprego e renda. Precisa ser socializado e ampliado, pois por eles muitos garotos e garotas poderão sair da situação de rua. Isto vai além dos puros “interesses do mercado”.Do ponto de vista cultural, o futebol tem sido a marca de sociabilidades que vão além de uma homogênea e artificial “identidade nacional”. Como identidade popular, manifesta nos milhões de adeptos, em especial entre os mais explorados da população, que deixam vazar por ele o sentimento de que alguma coisa pode unir os brasileiros, o futebol pode ser compreendido de forma mais ampla. Assim como a música para Graça Aranha, podemos argumentar que o futebol tornou-se manifestação de sensibilidade coletiva dos brasileiros. Podemos, então, questionar como ilegítima esta expressão cultural, assim como o samba?

Terminantemente, o problema não está no futebol em si. Sabemos que “a história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever”, como já disse Eduardo Galeano, ao comentar que o esporte se fez indústria, o jogo foi convertido em espetáculo, com poucos protagonistas e muitos espectadores, ao mesmo tempo em que a tecnocracia do esporte profissional foi impondo velocidade e muita força que renuncia à alegria, atrofiando a fantasia e proibindo a ousadia. (5)

E, mesmo assim, continuamos apaixonados e querendo cada vez mais futebol em nosso País economicamente dependente e culturalmente desigual, como queremos comida, bebida, diversão e arte.

Um País em que a oposição, cantada nos versos de Gabriel O Pensador, entre o Brazuca bom de bola, que deita e rola, e o Zé Batalha que só trabalha, que só se esfola, tenha fim. Sendo o futebol parte de uma redenção coletiva rumo a um Brasil socialmente justo, independente de nossas elites e de governos comprometidos com elas.

Notas

Este artigo, aqui ligeiramente modificado, foi publicado originalmente no Caderno Mix-Idéias do Diário de Santa Maria, na edição de 1º jun. 2006, p. 14-5, com o título “Um drible na alienação”.
1- “Pátria de Chuteiras” é uma expressão cunhada pelo escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, irmão de Mário Rodrigues Filho (aquele que deu nome ao Estádio do Maracanã) e autor, entre outros, de uma obra fundamental sobre o futebol brasileiro: O negro no futebol brasileiro.
2- Sobre isso, cf. o artigo “Classe, etnicidade e cor na formação do futebol brasileiro” de José Sérgio Leite Lopes, In. BATALHA, Cláudio; SILVA, Fernando; FORTES, Alexandre (org.). Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: Unicamp, 2004, p. 121-63.
3- Ver sobre isso o artigo “O fazer-se da classe operária, 1870-1914”, In. Pessoas extraordinárias: resistência, rebelião e jazz. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 91-114.
4-Um estudo aprofundado sobre este tema pode ser visto em PEREIRA, Leonardo. Footbollmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. Ver também o artigo “Gols de letra” de Bernardo de Hollanda, In. Nossa História, ano 1, nº 6, abr. de 2004, p. 45-9. Ver também a Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 1, nº 7, jan. 2006, com dossiê sobre o futebol, com artigos de Leonardo Pereira, Eduardo Galeano, Armando Nogueira, João de Almeida, Maurício Santoro e entrevista de Roberto DaMatta.
5-Talvez aqui esteja uma das razões de nossa seleção ter perdido para a França, adiando o hexacampeonato. Um futebol burocrático, sem brilho, amarrado a um esquema tático e a uma escalação que salientam outros interesses que não os exclusivos do futebol. Talvez os franceses não fujam também dos interesses subterrâneos que gerenciam o futebol. Porém, fizeram isto com uma aula de futebol e com um show de Zidane. De Eduardo Galeano, ver a sua crônica “O futebol”.

Seleção brasileira: o torcedor vrou freguês?

por Osvaldo Bertolino*

O “camisa-dez” saiu de campo — Zidane pode ser um dos últimos desse espécime — e com ele aquele líder com o poder de conduzir o time à vitória. Hoje, o futebol-brucutu é regido pela égide da ciranda financeira. Os berros dos técnicos têm o mesmo efeito da antiga gritaria dos operadores das bolsas de valores.

Nike, em grego, significa vitória. Mas para o futebol, principalmente agora com o fiasco do Brasil na Copa do Mundo, a marca esportiva pode ser associada a derrota. A novela Ronaldo — o seu principal garoto-propaganda no futebol — que se arrastou nos dias seguintes à partida contra a Croácia, ajudou a entender melhor os motivos que levaram a seleção brasileira a se distanciar do futebol exuberante de outros tempos. A derrota em si não quer dizer nada. Afinal, como esclareceu o locutor Galvão Bueno, da TV Globo, "só um time pode ser campeão". O que conta, nessa surra que levamos da França, é a diferença oceânica entre os dois times. A perfeição de Zinedine Zidane — ele é, de longe, o melhor jogador do mundo há muito tempo — é uma oportunidade para analisarmos o problema racionalmente.

Zidane jogou como o antigo “camisa-dez” — aquele jogador que usa mais o cérebro do que as pernas. Um time que conta com um jogador assim fica mais vistoso, mais inteligente. No Brasil, depois das gerações de ouro das décadas de 60, 70 e 80, vimos desfilar talentos como Giovanni, Alex, Diego, que sumiram do mapa futebolístico com a nova tática extra-campo. Aquela velha máxima de que o importante é competir cedeu lugar à disputa acirrada pelos bilhões de dólares que circulam nesse mundo rarefeito. O “camisa-dez” saiu de campo — Zidane pode ser um dos últimos desse espécime — e com ele aquele líder com o poder de conduzir o time à vitória.

O jogo mais caro da história

Saiu de cena o jogador respeitado pelo seu talento para entrar o atleta — ou técnico — temido por sua força, por seus gritos. Não há mais, no futebol “moderno”, aquela figura que gozava de um poder não instituído. Nas Copas do Mundo de antes, se falava tanto desse jogador quanto do nacionalismo mesquinho característico desse evento esportivo. Hoje, o futebol-brucutu é regido pela égide da ciranda financeira. Os berros dos técnicos têm o mesmo efeito da antiga gritaria dos operadores das bolsas de valores. Um título futebolístico tem papel tão derivativo quanto mudanças na cotação do peso argentino em relação ao dólar no futuro ou a taxa de juros embutida numa ação da Petrobras.

O prestígio esportivo da seleção brasileira, por exemplo, ajudou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a transformar o time numa máquina de fazer dinheiro. No ano passado, entre contratos de patrocínio, cotas de amistosos e vendas de direitos de transmissão, a seleção brasileira amealhou cerca de 35 milhões de dólares. É o equivalente a cinco vezes o faturamento registrado em 1994. Pouco antes do início da Copa da Alemanha, a CBF aumentou ainda mais suas receitas. A entidade fechou contrato com uma multinacional da área de licenciamento para a fabricação e a venda de produtos com a grife do time. O acordo rendeu 2 milhões de dólares, além de royalties pelos itens vendidos.

Muito mais significativo do que as cifras envolvidas é o movimento por trás delas. Mais da metade da receita anual da seleção brasileira é garantida por três grandes contratos de patrocínio — com a Nike, com a Ambev e com a Vivo. Outra fatia importante do faturamento vem das cotas pagas ao time pelos amistosos disputados no exterior. Nesse caso, vem sendo também registrado aumento substancial de valores ao longo dos últimos anos. O jogo mais caro da história aconteceu em março deste ano, quando a federação russa pagou 1,5 milhão de dólares para ver as estrelas comandadas pelo técnico Carlos Alberto Parreira enfrentar a seleção local, no Lokomotiv Stadium, em Moscou.

A transformação do mundo da bola

É quase o equivalente ao cachê de um show de estrelas do rock, como os Rolling Stones e o U2. Os direitos de transmissão de cada uma das partidas disputadas pela seleção são vendidos pela CBF à Rede Globo, que tem contrato de exclusividade para os canais abertos. A emissora paga 600 mil dólares por evento à entidade. No ano passado, por exemplo, a equipe disputou quatro amistosos e recebeu da emissora o total de 2,4 milhões de dólares. Até mesmo os períodos de treinos e concentrações são usados para aumentar os lucros da CBF. Nas semanas que antecedem a estréia na Copa da Alemanha, a seleção recebeu 1,2 milhão de dólares para se hospedar no luxuoso Park Hotel Weggis, na região de Lucena, na Suíça. O pacote incluiu a realização de dois jogos-treinos no país.

A transformação do mundo da bola num negócio milionário, ocorrida no início da década de 90, ajudou a seleção a atingir o atual faturamento. Graças à sua hegemonia nos gramados, o time alcançou patamar privilegiado de visibilidade no mais popular esporte do planeta. Isso gerou a multiplicação de valores de todos os negócios que envolvem a seleção. O time se beneficia também por reunir hoje uma série de figuras internacionalmente badaladas. Principal estrela da equipe, Ronaldinho Gaúcho é considerado o jogador com maior valor comercial do mundo, segundo estudo divulgado em março pela consultoria alemã BBDO. O trabalho avaliou que a imagem do meia da seleção brasileira e do Barcelona vale atualmente 47,6 milhões de euros.

Ambev e Ronaldo param a Guatemala

Na lista dos dez mais da BBDO, aparece ainda outro brasileiro, o atacante Ronaldo, cotado a 29,8 milhões de euros. Além dos ganhos com sua imagem, ele sabe como ninguém surfar nessa onda de negócios no futebol. Nunca um atleta brasileiro esteve no epicentro de somas tão estratosféricas. A Siemens, companhia alemã que fabrica desde softwares para computadores até reatores atômicos e tem faturamento de 80 bilhões de dólares, lançou uma linha mundial de celulares com a marca do jogador. O acordo foi firmado depois que uma pesquisa da empresa mostrou que a venda dos aparelhos cresceu 27% no Brasil apenas porque Ronaldo vestia a camisa do Real Madrid, clube patrocinado pela Siemens.

A Ambev, maior fabricante de bebidas do Brasil, tem uma experiência semelhante. A direção da companhia contratou Ronaldo para a inauguração de uma fábrica na Guatemala. O país parou, as pessoas invadiram as ruas e a maior rede de televisão local transmitiu durante 2 horas um programa sobre a vida de Ronaldo em horário nobre. Três meses depois, a Ambev, uma companhia de quase 2 bilhões de dólares, já detinha 40% do mercado local. E a Nike lançou uma linha de roupas esportivas com a assinatura do jogador. Essa linha vem se juntar aos produtos já oferecidos pela empresa, um colosso de 12 bilhões de dólares por ano –1 bilhão só com o futebol.

Ronaldo e o submundo do futebol

Muito já se falou sobre a atuação de Ronaldo dentro de campo. Ele já foi uma promessa do futebol, o Fenômeno, o desenganado pelos médicos e o melhor jogador do mundo. Mais recentemente, vem sendo chamado de "gordito" pela imprensa espanhola. Mas o que poucos conhecem é o funcionamento da estrutura por trás do jogador, uma máquina de gerar lucros para as empresas com as quais ele trabalha e, claro, para ele próprio. Hoje, Ronaldo é um dos atletas mais ricos do mundo. Sua saúde financeira deu origem a um bem estruturado grupo empresarial com oito companhias, o grupo R9.

Ronaldo já possui quatro empresas no ramo de imóveis, uma de participações e licenciamentos, uma clínica de fisioterapia e duas empresas só para gerenciar seus contratos de publicidade. Só estas últimas, a Emporio Ronaldo e a Mike (não confundir com Nike), lhe rendem mais de 60 milhões de reais por ano. Ele também transita pelo submundo do futebol — recentemente, seus antigos empresários, Alexandre Martins e Reinaldo Pitta, foram presos por envolvimento num escândalo de lavagem de dinheiro.

Série de denúncias de irregularidades

Como administradora da seleção, a CBF tem aproveitado esse cenário favorável para fechar bons acordos comerciais. "Até a década de 80, o time era sustentado por verbas do governo", afirma Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Aos poucos, as estatais foram sendo substituídas por empresas privadas. Os valores dos contratos de patrocínio alcançaram novo patamar quando a Nike se tornou parceira da seleção, em 1996. Até hoje a multinacional norte-americana contribui com parte substancial do faturamento da equipe: são 12 milhões de dólares por ano.

O contrato acaba de ser renovado até 2018. Uma cláusula prevê bônus de 6 milhões de dólares em caso de vitória nos mundiais de 2010, 2014 e 2018. Além do direito de ser a fornecedora de material esportivo do time, a Nike pode explorar a imagem da seleção em uma série de produtos. No mês antepassado, por exemplo, a empresa lançou uma linha de quatro relógios com as cores e o escudo da seleção. Cada modelo custa cerca de 600 reais. O aumento do faturamento do time brasileiro nos últimos anos veio acompanhado de uma série de denúncias de irregularidades nos principais contratos firmados por Ricardo Teixeira.

CPIS apuram indícios de 17 crimes

Os negócios foram alvo, nos últimos anos, de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), uma no Congresso e outra no Senado. O relatório final das investigações, divulgado em 2001, apontou indícios de 17 crimes envolvendo os principais dirigentes do futebol brasileiro, como evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. O Ministério Público Federal deu prosseguimento às investigações, mas os processos ainda não foram concluídos. E agora surgiu mais um problema. O promotor Rodrigo Terra, do Ministério Público do Rio de Janeiro, pediu o afastamento do presidente da CBF por causa de possíveis irregularidades ocorridas na venda de ingressos no Brasil para os jogos da seleção na Copa do Mundo da Alemanha.

A CBF indicou para realizar a comercialização a agência de turismo Planeta Brasil e outras três operadoras que pertencem ao empresário Wagner Abrahão, do Rio de Janeiro. Segundo denúncias de alguns consumidores, as empresas só estariam vendendo os ingressos mediante a compra de pacotes de viagem para a Europa. "Isso fere os direitos do torcedor, e o presidente Ricardo Teixeira, que deveria garantir transparência e agilidade à venda dos ingressos, deve ser punido pela situação", afirma Terra.

Influência dos patrocinadores

Os prejuízos desse modelo para o futebol são evidentes. Uma semana antes da Copa de 1998, por exemplo, a Nike, tentando capitalizar ao máximo o momento, convocou os jogadores para participar de uma festa de inauguração. O capitão Dunga (patrocinado pela Reebok) chegou a dizer que os jogadores deviam treinar, e não participar de eventos sociais. Depois da derrota para a França na final (por 3 a 0), foi levantada a possibilidade de que a Nike teria sido a responsável pela escalação de Ronaldo. Naquele evento ficou patente a influência dos patrocinadores nos destinos da seleção.

A confusão começou nos amistosos que antecederam a Copa de 1994. Como não havia comprado cotas de patrocínio nas emissoras de TV, a Brahma invadiu os estádios com placas e torcidas uniformizadas. O jogador Bebeto, patrocinado pela cervejaria, chegou a comemorar um gol fazendo o número 1 (exatamente como fazia nos comerciais da Brahma). Em represália, as câmeras da Globo enquadravam o campo apenas parcialmente, para impedir que a sinalização da Brahma entrasse em cena. O telespectador chiou com os cortes nas transmissões dos jogos. O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) intercedeu. No final, a Brahma diminuiu a presença nos campos e as emissoras voltaram a transmitir os jogos normalmente.

A Fifa também está contaminada

A Fédération Internationale de Football Association (Fifa) também está toda contaminada por esta lógica. Num artigo publicado na revista científica Lancet, alguns médicos questionaram a inclusão de companhias como a cervejaria Budweiser, a indústria de refrigerantes Coca-Cola e a cadeia de fast-food McDonald's como parceiros oficiais da Fifa. Segundo os autores do artigo, a entidade tem a obrigação de evitar relacionamentos com patrocinadores que não sejam adequados. Após a Copa de 2002, a Fifa recebeu uma premiação pelo combate ao fumo por ter feito o torneio com severas restrições a fumantes e rejeitando anunciantes ligados a empresas de tabaco.

Na Copa deste ano, no entanto, a proibição de se fumar nos estádios foi abolida e era possível encontrar isqueiros e cinzeiros entre os produtos oficiais da Copa. "A presença de parceiros da Fifa como a Budweiser, a Coca-Cola e o McDonald's ilustra bem o conflito existente entre o esporte internacional e a promoção de um modo de vida saudável", diz o artigo. "Esta tensão reforça a necessidade de se reavaliar as relações entre organizadores e seus patrocinadores, assim como dos governos assegurarem a eficiência das suas legislações e do investimento público no esporte de elite", afirmam os autores.

O poder do dinheiro grande

Na Copa da França, em 1998, os anúncios de bebidas alcoólicas ficaram fora dos estádios. E nem por isso os franceses deixaram de mandar a campo um time impressionante. O lema da Copa, C est beau, un monde qui joue (É bonito, um mundo que joga), completava aquela combinação de esporte e lazer. Mas era um esforço isolado. Ali perto, na Inglaterra, a Federação Inglesa de Futebol é patrocinada pelo McDonald's. O futebol do país está tomado por grupos econômicos — alguns deles operando com dinheiro de duvidosa procedência.

O renascimento do futebol no Reino Unido aconteceu a partir de 1992 quando Murdoch e a British Sky Broadcasting investiram milhões de libras esterlinas, pagando pelos direitos de transmissão ao vivo das partidas (até aquele momento, não havia cobertura ao vivo dos jogos das equipes inglesas) — um modelo que está sendo copiado em vários lugares, inclusive no Brasil. Um dos principais problemas é a publicidade na TV. A maioria dos canais não coloca anúncios no ar durante as partidas, pelo simples motivo de que o futebol é um esporte com pouco tempo de interrupção. Por isso, os nomes dos patrocinadores são expostos em placas em volta do campo. Já se fala em mudanças nas regras do futebol para facilitar a veiculação de comerciais na TV. Isso seria o fim do futebol tal como o conhecemos hoje. O problema é que o futebol está ganhando dinheiro grande. E o dinheiro grande muitas vezes acaba conseguindo o que quer.