novembro 04, 2006

Desmoralizada, mídia tenta se fingir de vítima

Editorial do Portal Vermelho (dia 04/11)

Entre os derrotados nas eleições presidenciais no Brasil, a mídia hegemônica foi uma das que saiu mais chamuscada desta batalha política. Há tempos na história do país que ela não ficava tão desmoralizada e desacreditada. Motivos não faltam para esta dura condenação. Com raríssimas exceções, a cobertura dos principais jornalões, revistas, rádios e emissoras de televisão foi descaradamente parcial e manipulada. Os números do Observatório Brasileiro de Mídia provam cabalmente que, durante todo o processo eleitoral, ela promoveu um verdadeiro linchamento do presidente Lula e isentou de críticas o candidato Geraldo Alckmin e a oposição liberal-conservadora. A mídia foi o principal partido da direita neoliberal no pleito.

Apesar de toda a manipulação dos meios de comunicação, o povo não entrou na sua onda. Soube separar o joio do trigo, rejeitou o falso moralismo dos imorais, votou contra o retrocesso neoliberal e apostou no avanço das mudanças num segundo mandato. ''O povo venceu a mídia'', estampou uma faixa na festa da reeleição no domingo, dia vinte nove de outubro último. ''Fora Rede Globo, o povo não é bobo'', gritaram alguns, relembrando os protestos contra a manipulação da maior emissora do país na campanha das ''diretas-já''. Ou cantarolaram: ''Ou, ou, ou, a Veja se ferrou''. Entre os militantes sociais há um forte clamor contra a ditadura midiática e seus ''deformadores de opinião''. E algumas pesquisas já atestam seu descrédito no conjunto da sociedade.

Aos poucos, o desmascaramento da mídia começa a produzir efeitos práticos, inclusive em setores que se iludiam com seu papel. Alguns jornalistas de prestígio, infelizmente ainda poucos, não se intimidam mais em criticar suas deturpações, que estariam colocando em risco a democracia e a própria ética jornalística. O presidente Lula também se mostra indignado com o tratamento que recebeu destes veículos. Ele já fala abertamente na necessidade de democratizar os meios de comunicação, de fortalecer uma rede pública de televisão aberta. Mas esta batalha, estratégica no campo das idéias, será duríssima. A mídia hegemônica, monopolizada e internacionalizada, não aceitará perder espaços de hegemonia nem recursos publicitários.

Tanto que, ao perceber que corria risco, a mídia hegemônica iniciou seu contra-ataque. Passado o segundo turno, tenta agora se passar por vítima. A abjeta revista ''Veja'' faz escândalo por ter sido chamada a prestar depoimento na Polícia Federal. A mesma publicação campeã no uso da ''presunção de culpa'', que linchou o governo sem provas, afirma que está sendo perseguida. Já a poderosa Globo força um abaixo-assinado entre os jornalistas em defesa da linha editorial comandada pelo Ratzinger da emissora, Ali Kamel. No caso do jornal Folha de S.Paulo, todo dia saem notinhas que clamam contra uma tal ira contra a mída.

Como se observa, o jogo será pesado.O extremismo da parcialidade da maioria dos meios de comunicação na sucessão presidencial colocou como agenda prioritária a democratização da mídia. Trata-se de um dos principais gargalos do processo de construção de nossa democracia.Os movimentos sociais e os setores democráticos precisam interferir rapidamente nesta batalha de caráter estratégico.'' O povo venceu a mídia'' nas eleições presidenciais. Agora é preciso tirar as conseqüências práticas para o bem da democracia brasileira e da própria ética do jornalismo.

Fonte:
www.vermelho.org.br

Os movimentos sociais e o 2º Governo Lula

por Antônio Augusto de Queiroz*

O presidente Lula, se realmente quiser aprovar uma agenda social no seu 2º mandato, vai precisar do apoio e mobilização dos movimentos sociais. É que o discurso do presidente no segundo turno da eleição, pelo menos no plano retórico, ficou à esquerda do Congresso eleito em outubro de 2006, e o seu partido, o PT, que lhe dará sustentação, além de ter perdido quadros à esquerda, terá sua participação reduzida no novo mandato.

A postura passiva dos movimentos sociais no 1º mandato, como que atendendo ao apelo do presidente no sentido de que "voltem para casa e me julguem depois", possibilitou avanços importantes da direita no governo de coalizão. Se repetir esse padrão haverá risco de retrocesso em face do perfil socioeconômico e da correlação de forças no novo Congresso. Assim, em lugar da submissão e apoio acrítico, o governo vai precisar de ação e suporte político para aprovar as políticas públicas que foram apresentadas durante a campanha, especialmente no 2º turno da eleição.

Aparentemente, e esta é a análise presente na grande imprensa, não houve mudanças significativas na configuração partidária que resultou das urnas no pleito de 2006, mas um exame cuidadoso no interior dos partidos evidencia um crescimento expressivo dos setores liberais e com visão social conservadora e isto aconteceu em todos os partidos, inclusive nos considerados de esquerda e centro-esquerda.

Apenas para ilustrar houve um crescimento expressivo dos parlamentares que não dependem de renda assalariada, particularmente da bancada empresarial e dos profissionais; um fortalecimento, com a chegada de novos quadros, da bancada ruralista, inclusive do pessoal vinculado ao agronegócio; e uma redução da bancada sindicalista e da representação dos trabalhadores, do setor público e privado, notadamente dos trabalhadores rurais.

O temor dos setores de mercado de que o presidente Lula pudesse dar uma guinada em termos de atuação, com movimentos semelhantes aos vizinhos da Venezuela e Bolívia, fica completamente afastado com essa nova composição do Congresso. O novo Congresso, a julgar por sua composição ideológica no interior dos partidos, com parlamentares de perfil neoliberal infiltrados nos partidos, inclusive nos de centro-esquerda e até de esquerda, não permitirá mudança importante de rumo, como, por exemplo, ampliação do gasto social ou eventual valorização do papel do Estado na economia.

A relação dos movimentos sociais com o governo do presidente Lula no 2º mandato, diferentemente do 1º, terá que se dar em novas bases, em face do perfil sócio-econômico e da correlação de forças no novo Congresso, onde as forças conservadoras ganharam grande impulso.

Por tudo isso, os movimentos sociais, como grupos de pressão, devem pautar suas relações com os governos pela autonomia e independência, mas exigindo o cumprimento dos compromissos de campanha, que coincidem com a agenda política, econômica, social e ideológica dos setores organizados.

Como disse em artigo anterior sobre o tema, as decisões de governos, invariavelmente, sofrem pressão e influência das forças políticas, econômicas e sociais, e os movimentos sociais que deixarem de se mobilizar em favor de seus pleitos, desejos e aspirações, estarão - direta ou indiretamente - renunciando à razão de sua existência.

No presidencialismo brasileiro - que exige a formação de coalizões partidárias para assegurar maioria no Congresso - o Chefe do Poder Executivo não toma decisões por lealdade à origem profissional ou amizade, mas em razão da correlação de força, de disputas e de penosas negociações com as forças políticas, econômicas e sociais.

Portanto, na conjuntura que se vislumbra, o apoio acrítico e também a inércia chegam a ser mais nocivos que a oposição intransigente. O apoio dos movimentos sociais sempre deve ter como contrapartida o compromisso com o ideário defendido pelo segmento que representa, sob pena de o movimento ser anulado, tragado, cooptado ou de virar platéia, torcida ou massa de manobra do governante.

No 1º mandato, muitos setores do movimento social, imaginando estar ajudando o Presidente, deixaram de pressioná-lo e, em alguns casos, passaram a considerar como oposição críticas corretas às políticas governamentais, abrindo uma avenida para que os setores conservadores pressionassem e arrancassem do Governo decisões que jamais conseguiriam caso os setores sociais estivessem disputando o conteúdo dessas políticas, fazendo o contraponto.

O 2º mandato do presidente Lula, conquistado com um discurso eleitoral vigoroso, principalmente para o segundo turno, polarizado pela defesa das ações em prol dos mais pobres e as críticas às privatizações tucanas, mobilizou os movimentos sociais. Agora é a oportunidade de definir posições, firmar convicções e defender a implementação da agenda que mobilizou milhões de trabalhadores deste país na eleição, notadamente no 2º turno.

O recado das urnas foi claro: apoio à ampliação dos programas sociais, ao crescimento econômico, à geração de emprego e renda, mas com mudanças na gerência e mais transparência e ética na ação administrativa. Ou o movimento social age com inteligência, estratégias e táticas bem definidas, ou corre o risco de perder de novo para os setores conservadores.