novembro 04, 2006

Desmoralizada, mídia tenta se fingir de vítima

Editorial do Portal Vermelho (dia 04/11)

Entre os derrotados nas eleições presidenciais no Brasil, a mídia hegemônica foi uma das que saiu mais chamuscada desta batalha política. Há tempos na história do país que ela não ficava tão desmoralizada e desacreditada. Motivos não faltam para esta dura condenação. Com raríssimas exceções, a cobertura dos principais jornalões, revistas, rádios e emissoras de televisão foi descaradamente parcial e manipulada. Os números do Observatório Brasileiro de Mídia provam cabalmente que, durante todo o processo eleitoral, ela promoveu um verdadeiro linchamento do presidente Lula e isentou de críticas o candidato Geraldo Alckmin e a oposição liberal-conservadora. A mídia foi o principal partido da direita neoliberal no pleito.

Apesar de toda a manipulação dos meios de comunicação, o povo não entrou na sua onda. Soube separar o joio do trigo, rejeitou o falso moralismo dos imorais, votou contra o retrocesso neoliberal e apostou no avanço das mudanças num segundo mandato. ''O povo venceu a mídia'', estampou uma faixa na festa da reeleição no domingo, dia vinte nove de outubro último. ''Fora Rede Globo, o povo não é bobo'', gritaram alguns, relembrando os protestos contra a manipulação da maior emissora do país na campanha das ''diretas-já''. Ou cantarolaram: ''Ou, ou, ou, a Veja se ferrou''. Entre os militantes sociais há um forte clamor contra a ditadura midiática e seus ''deformadores de opinião''. E algumas pesquisas já atestam seu descrédito no conjunto da sociedade.

Aos poucos, o desmascaramento da mídia começa a produzir efeitos práticos, inclusive em setores que se iludiam com seu papel. Alguns jornalistas de prestígio, infelizmente ainda poucos, não se intimidam mais em criticar suas deturpações, que estariam colocando em risco a democracia e a própria ética jornalística. O presidente Lula também se mostra indignado com o tratamento que recebeu destes veículos. Ele já fala abertamente na necessidade de democratizar os meios de comunicação, de fortalecer uma rede pública de televisão aberta. Mas esta batalha, estratégica no campo das idéias, será duríssima. A mídia hegemônica, monopolizada e internacionalizada, não aceitará perder espaços de hegemonia nem recursos publicitários.

Tanto que, ao perceber que corria risco, a mídia hegemônica iniciou seu contra-ataque. Passado o segundo turno, tenta agora se passar por vítima. A abjeta revista ''Veja'' faz escândalo por ter sido chamada a prestar depoimento na Polícia Federal. A mesma publicação campeã no uso da ''presunção de culpa'', que linchou o governo sem provas, afirma que está sendo perseguida. Já a poderosa Globo força um abaixo-assinado entre os jornalistas em defesa da linha editorial comandada pelo Ratzinger da emissora, Ali Kamel. No caso do jornal Folha de S.Paulo, todo dia saem notinhas que clamam contra uma tal ira contra a mída.

Como se observa, o jogo será pesado.O extremismo da parcialidade da maioria dos meios de comunicação na sucessão presidencial colocou como agenda prioritária a democratização da mídia. Trata-se de um dos principais gargalos do processo de construção de nossa democracia.Os movimentos sociais e os setores democráticos precisam interferir rapidamente nesta batalha de caráter estratégico.'' O povo venceu a mídia'' nas eleições presidenciais. Agora é preciso tirar as conseqüências práticas para o bem da democracia brasileira e da própria ética do jornalismo.

Fonte:
www.vermelho.org.br

Os movimentos sociais e o 2º Governo Lula

por Antônio Augusto de Queiroz*

O presidente Lula, se realmente quiser aprovar uma agenda social no seu 2º mandato, vai precisar do apoio e mobilização dos movimentos sociais. É que o discurso do presidente no segundo turno da eleição, pelo menos no plano retórico, ficou à esquerda do Congresso eleito em outubro de 2006, e o seu partido, o PT, que lhe dará sustentação, além de ter perdido quadros à esquerda, terá sua participação reduzida no novo mandato.

A postura passiva dos movimentos sociais no 1º mandato, como que atendendo ao apelo do presidente no sentido de que "voltem para casa e me julguem depois", possibilitou avanços importantes da direita no governo de coalizão. Se repetir esse padrão haverá risco de retrocesso em face do perfil socioeconômico e da correlação de forças no novo Congresso. Assim, em lugar da submissão e apoio acrítico, o governo vai precisar de ação e suporte político para aprovar as políticas públicas que foram apresentadas durante a campanha, especialmente no 2º turno da eleição.

Aparentemente, e esta é a análise presente na grande imprensa, não houve mudanças significativas na configuração partidária que resultou das urnas no pleito de 2006, mas um exame cuidadoso no interior dos partidos evidencia um crescimento expressivo dos setores liberais e com visão social conservadora e isto aconteceu em todos os partidos, inclusive nos considerados de esquerda e centro-esquerda.

Apenas para ilustrar houve um crescimento expressivo dos parlamentares que não dependem de renda assalariada, particularmente da bancada empresarial e dos profissionais; um fortalecimento, com a chegada de novos quadros, da bancada ruralista, inclusive do pessoal vinculado ao agronegócio; e uma redução da bancada sindicalista e da representação dos trabalhadores, do setor público e privado, notadamente dos trabalhadores rurais.

O temor dos setores de mercado de que o presidente Lula pudesse dar uma guinada em termos de atuação, com movimentos semelhantes aos vizinhos da Venezuela e Bolívia, fica completamente afastado com essa nova composição do Congresso. O novo Congresso, a julgar por sua composição ideológica no interior dos partidos, com parlamentares de perfil neoliberal infiltrados nos partidos, inclusive nos de centro-esquerda e até de esquerda, não permitirá mudança importante de rumo, como, por exemplo, ampliação do gasto social ou eventual valorização do papel do Estado na economia.

A relação dos movimentos sociais com o governo do presidente Lula no 2º mandato, diferentemente do 1º, terá que se dar em novas bases, em face do perfil sócio-econômico e da correlação de forças no novo Congresso, onde as forças conservadoras ganharam grande impulso.

Por tudo isso, os movimentos sociais, como grupos de pressão, devem pautar suas relações com os governos pela autonomia e independência, mas exigindo o cumprimento dos compromissos de campanha, que coincidem com a agenda política, econômica, social e ideológica dos setores organizados.

Como disse em artigo anterior sobre o tema, as decisões de governos, invariavelmente, sofrem pressão e influência das forças políticas, econômicas e sociais, e os movimentos sociais que deixarem de se mobilizar em favor de seus pleitos, desejos e aspirações, estarão - direta ou indiretamente - renunciando à razão de sua existência.

No presidencialismo brasileiro - que exige a formação de coalizões partidárias para assegurar maioria no Congresso - o Chefe do Poder Executivo não toma decisões por lealdade à origem profissional ou amizade, mas em razão da correlação de força, de disputas e de penosas negociações com as forças políticas, econômicas e sociais.

Portanto, na conjuntura que se vislumbra, o apoio acrítico e também a inércia chegam a ser mais nocivos que a oposição intransigente. O apoio dos movimentos sociais sempre deve ter como contrapartida o compromisso com o ideário defendido pelo segmento que representa, sob pena de o movimento ser anulado, tragado, cooptado ou de virar platéia, torcida ou massa de manobra do governante.

No 1º mandato, muitos setores do movimento social, imaginando estar ajudando o Presidente, deixaram de pressioná-lo e, em alguns casos, passaram a considerar como oposição críticas corretas às políticas governamentais, abrindo uma avenida para que os setores conservadores pressionassem e arrancassem do Governo decisões que jamais conseguiriam caso os setores sociais estivessem disputando o conteúdo dessas políticas, fazendo o contraponto.

O 2º mandato do presidente Lula, conquistado com um discurso eleitoral vigoroso, principalmente para o segundo turno, polarizado pela defesa das ações em prol dos mais pobres e as críticas às privatizações tucanas, mobilizou os movimentos sociais. Agora é a oportunidade de definir posições, firmar convicções e defender a implementação da agenda que mobilizou milhões de trabalhadores deste país na eleição, notadamente no 2º turno.

O recado das urnas foi claro: apoio à ampliação dos programas sociais, ao crescimento econômico, à geração de emprego e renda, mas com mudanças na gerência e mais transparência e ética na ação administrativa. Ou o movimento social age com inteligência, estratégias e táticas bem definidas, ou corre o risco de perder de novo para os setores conservadores.

setembro 19, 2006

Eleições e ideologia

por Eduardo Bomfim

As eleições de outubro próximo apresentam crescentes sinais de intolerância. Um dos exemplos mais contundentes foi a carta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, divulgada em sete de setembro passado, aos filiados e eleitores do PSDB.

As manifestações de exacerbação política espalham-se por todo o Brasil. Ressurgem velhos jargões pejorativos contra as esquerdas, historicamente usados durante os períodos de crise em nosso país.

Não existe clima para o conflito institucional que parcelas do tucanato pretendem criar na sociedade. Até porque vários membros do PSDB condenaram o conteúdo da missiva pública, assinada por FHC.

Algumas afirmações chamam a atenção. A primeira é a de que o candidato Lula será eleito pelos “ignorantes”. Ora, o voto é universal e secreto. A revolução de 1930 enterrou a eleição a bico de pena, o voto em aberto e o caráter discricionário do eleitor conforme a renda, a propriedade, urbana ou rural.

Nesse sentido, ele deixou de ser um privilégio das abonadas elites. A emergência de dezenas de milhões de trabalhadores brasileiros que produzem a riqueza nacional forjou significativamente a cidadania. Ainda não consolidada. Porque persistem males de origem estrutural. A imensa concentração da renda, a desigualdade social, o não acesso pleno a saúde, educação, casa e salários mais dignos.

A incontestável maioria da sociedade, demonstrada em pesquisas, até o momento, considera que no governo Lula as condições de vida melhoraram significativamente. Quer pela geração de empregos ou em função de programas na área social e outros indicativos.

Nas camadas médias, polarizadas, milhões apóiam o governo. A inflação que no final do governo FHC estava beirando ao descontrole, hoje se encontra em patamares irrisórios.

A vulnerabilidade da economia, uma ameaça constante no segundo mandato de FHC, encontra-se estabilizada. Impõem-se ainda, maior redução das altas taxas dos juros, índices mais robustos de crescimento.

Mas o ex-presidente, “príncipe da moeda”, ameaça desconsiderar o resultado das eleições. Propaga, nas entrelinhas, o golpe. Agrava, sobretudo, a vontade soberana da sociedade. Conduz o seu barco pelas ressacas agitadas do oceano. Na democracia, eleições limpas, assume quem ganhar.

Nota
Leia a carta de FHC na íntegra

A Caminho de Nairobi

por Fatima Oliveira

A luta internacional pelo direito à saúde como um direito humano, pautada pelos princípios da universalidade, da integralidade e da equidade, prepara o 2º Fórum Social Mundial da Saúde (2º FSMS), por ocasião do 7º Fórum Social Mundial (7º FSM), na África, de 20 a 25/1/2007, na cidade de Nairobi, capital do Quênia.
Não esquecendo os significados do simbolismo de refletir na África o lema orientador do FSM: “Um outro mundo é possível” e o do FSMS: “Uma saúde para todos é possível e necessária”. Integram tal esforço um número expressivo de articulações políticas que lutam pelo direito à saúde no mundo.

A prioridade é estabelecer diálogos com a sociedade civil africana e possibilitar o emergir do protagonismo e o fortalecimento dos movimentos sociais locais.

O tema do 2º FSMS será “África: espelho do mundo”, com vistas a “passar a idéia de que há um contexto na África em que se explicitam, de forma radical, as contradições produzidas pelo mundo capitalista neoliberal, também presentes em todo o mundo”.

O que “significa enfatizar a exclusão social de grande parcela de seres humanos e evidenciar as benesses do atual modelo de desenvolvimento para um pequeno número de pessoas. O FSMS discutirá esse modelo sempre pelo viés da saúde, relacionado aos outros temas. Neste sentido, o debate aborda o contexto local, mas por meio dele discutirá o problema do mundo”.

A proposta do 2º FSMS poderá aglutinar força política internacional considerável ao visibilizar mortes precoces preveníveis e evitáveis em todo o mundo, já que elas ocorrem de modo sistemático e poderiam ser reduzidas e contidas substancialmente pelo acesso universal à atenção à saúde com qualidade.

Para que o direito humano à saúde seja assegurado, exige-se a implementação de políticas públicas nas mais variadas áreas sociais que sejam capazes de imprimir uma marca humanitária que valorize a vida humana concreta, aquela já nascida, pois seres humanos necessitam de um ambiente social digno para que se desenvolvam em plenitude.

Só assim materializar-se-á a saúde como um direito humano fundamental, cuja atenção em casos de doenças jamais será devidamente suprida por serviços de saúde nos marcos de conceitos como mercadoria geradora de lucros, conforme preconizam as diretrizes neoliberais.

Devido aos altos custos financeiros para se chegar ao Quênia, a dificuldade de participação deve ser considerada.

É decisão do Comitê Internacional do 2º FSMS envidar esforços para que os debates que lá ocorrerão sejam transmitidos, sob o concurso das novas tecnologias de informação e comunicação para o maior número de países e sensibilizem o maior número possível de pessoas.

A Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe

(RSMLAC) e a Rede Feminista de Saúde integram o Comitê Internacional do 2º FSMS, objetivando que a temática da saúde da mulher, dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos transversalizem e ressoem nos debates, especialmente buscando formas de as africanas serem participantes ativas do 2º FSMS desde o processo preparatório.

O empenho é sensibilizar e contar com a presença e a voz das africanas, em grande estilo, para mostrar ao mundo, em um evento internacional de grande porte, as condições difíceis em que vivem, cujas repercussões na saúde são evidenciadas pela morte precoce, em todas as faixas etárias, e têm na morte materna, neonatal e infantil indicadores precisos do descaso dos governos para com a saúde, aqui entendida não apenas como a ausência de doenças, mas que também se expressa e se consubstancia nas condições degradantes da dignidade humana em que vivem as populações pobres em todo o mundo, inclusive nos países ricos e desenvolvidos, guetizadas em seus bolsões de miséria – espaços que as sociedades contemporâneas destinam aos despossuídos. Vamos a Nairobi!

setembro 13, 2006

Até que ponto vai o cumprimento do dever? E onde começa o abuso de poder?

Por Everton Mendonça

As vezes nos deparamos com aquelas situações que sempre vemos acontecer com os outros e ficamos imaginando, será que isto é real?.

Quem dá direito a policiais que estão à serviço da "lei" invadir locais, mandando todos encostar na parede, como se fossem marginais, e, no fim, levar preso uma pessoa que nada fez, que, como todos os outros apenas se indignaram com aquela situação, com aquela abordagem truculenta e sem necessidade. Então porque todos não foram detidos também? Porque somente um teve que passar por toda esta humilhação? Talvez quisessem mostrar serviço...

Serviço para uma sociedade corrupta e hipócrita, que gosta de exigir direitos, mas não sabe cumprir seus deveres, uma sociedade que se esconde por conveniência atrás de falsas moralidades, que se diz evoluída mas ainda está carregada de preconceitos, que luta consigo mesma para não deixar a máscara cair.

E que além disso, ainda tem a lei ao seu lado, uma lei que as vezes parece que foi feita a 300 anos e que não é igual para todos. Que só pune quem é pobre, quem não tem estudo. Uma lei que beneficia a nossa elite retrógrada, que põe seus interesses pessoais acima dos interesses da maioria.

Na delegacia, em meio a pessoas nervosas, cadeiras sem encosto e policiais truculentos, havia um texto na parede. Esse texto estava atribuído a um pseudo-repórter, que, diga-se de passagem, também é apresentador de reality shows.

Bom, nesse texto ele explicava como todos os policiais são bons e perfeitos, como todos eles sempre são as vítimas, como nós cidadãos que lutam por seus direitos somos seus carrascos, afinal, sempre estamos errados, e eles, somente "cumprem seu dever" podendo usar de toda forma de brutalidade e abuso de poder, pois como dizem, sempre nos protegem, sempre protegeram e sempre protegerão.

Realmente é revoltante a forma de agir de alguns desses nossos funcionários. Mas entenda-se, como pode alguém agir de forma realmente cívica se são adestrados numa instituição que usa os mesmos métodos de 100 anos atrás? Como querem respeito se muitos não sabem nem se respeitar?

Este texto expressa somente a indignação daquele que vos escreve, cidadão, estudante, trabalhador, que viu uma injustiça ser cometida com um amigo que é como ele. Mais um número que vai para as estatísticas.

setembro 04, 2006

Economia e rebeldia

por Eduardo Bomfim

Em ensaio na revista Argumento, Tito Ryff faz algumas considerações interessantes sobre as relações entre economia e política. Que a rebeldia é um valioso instrumento de trabalho dos economistas e cita José Ingenieros: a rebeldia é a mais alta disciplina do caráter.
Economista, considera um erro de parte considerável desses profissionais, quando trabalham com uma determinada distribuição de riqueza e renda e pensam que modificá-la é tarefa dos políticos, dos homens de ação social.

Lembra uma frase de Hayek, mentor da nova ordem neoliberal: é um erro a visão de que as sociedades possuem como origem alguma organização. Há uma ordem espontânea, e, portanto, falar em distribuição justa ou injusta de renda, é uma total ausência de bom senso. O mercado define o rumo das sociedades, o crescimento econômico, a ordem natural das coisas.

Não há, portanto, a necessidade da intervenção, através de estratégias de planejamento e investimentos em favor das maiorias deserdadas. A interferência do Estado na organização social deve reduzir-se ao menor limite possível. É o Estado mínimo.

Ressurgindo, assim, declara o ensaísta, sob novas condições históricas, a Economia do conformismo, sem inspiração social. A “ciência sinistra” (ou maldita), parafraseando Carlyle, horrorizado com as teorias de Malthus.

Mas a essência do mercado é o lucro. Jamais a superação das desigualdades sociais, regionais. A iniciativa dos setores do capital produtivo deve estar relacionada aos propósitos, imediatos ou estratégicos, do Estado nacional. Caso contrário, a resultante poderá ser a dependência, algum crescimento econômico, associado à progressiva concentração da renda.

Em razão da força hegemônica do neoliberalismo, nas últimas décadas, as análises de muitos economistas, em obras ou entrevistas, são tecnicistas, desprovidas de causa ou projetos transformadores, insípidas.

Aparentemente, mas só aparentemente, ausentes de sentido político.

O autor sentencia que uma das graves conseqüências dessa doutrina é a exarcebação do individualismo, acarretando a queda da solidariedade social, estendendo-se a todos os ramos da atividade humana.

A luta nos dias atuais, assim como em outubro próximo, será a derrota do neoliberalismo e os seus partidários. Ou como afirma o sociólogo Emir Sader, contra o monopólio da palavra e da riqueza.

agosto 24, 2006

Transição em Cuba: uma lição a tirar

por Jairo José*

Retomando a história do comandante, logo após comunicado sobre o estado de saúde de Fidel Castro e a delegação provisória de seus cargos, altos funcionários dos Estados Unidos da América deram declarações cada vez mais explícitas acerca do futuro imediato de Cuba. O secretário de comércio Carlos Gutiérrez opinou que "chegou o momento de uma transição real que faça uma verdadeira democracia" e o porta-voz da Casa Branca Tony Snow disse que seu governo está "ansioso para dar assistência humanitária, econômica ou de outra natureza ao povo de Cuba", o que acaba de ser reiterado pelo Presidente Bush.
Frente a isso podemos, democratas, progressistas e defensores da soberania dos países e principalmente revolucionários, seguindo inclusive as declarações de Raul Castro, reforçar a necessidade de nos mobilizarmos o quanto seja necessário na defesa da Revolução. Cabe ao cubano elevar a vigilância revolucionária e apoiar o comunicado do Comandante em chefe e continuar fortalecendo a unidade em torno do Partido, a Fidel, a Raúl e ao Governo, em defesa do Socialismo e frente a qualquer agressão inimiga.

Mas temos talvez outra lição para tirar de tudo isso. Porque essa possível sucessão pode ser tão temerária? Porque existe uma crise anunciada em todo um país pela “simples” possível perda de um líder? Porque não se prepararam para uma possível e inexorável troca de comando uma vez que somos seres humanos expostos à decrepitude do corpo e a finitude da vida? Na verdade vamos mais além: porque todos nós não nos preparamos para a ação inconteste do tempo? Mais que filosófica, é essa, principalmente para as esquerdas, uma questão política.

A escolha e a formação de novas lideranças é em essência a ação que deve ser feita também pelos motivos certos, ou seja, você deve fazê-la justamente porque é seu dever. Quando isso não acontece a história nos mostra as conseqüências imediatas, vide Stalin, Tito, Enver Hjoxa.

É paradoxal que socialistas que comungam fundamentos do materialismo dialético e científico, se deixem entregar ao sonho romântico da imutabilidade e do líder eterno.

E o que deve nortear a formação de novos líderes e lideranças em todos os escalões, (sejam de governo ou partidos? A grande responsabilidade que vem com o grande poder não é apenas, e tão somente, de usar esse poder e sim a obrigação de não prejudicar aos outros usando-o de modo errado.

Talvez Sêneca tenha tentado mostrar um caminho para a formação de novas lideranças e como todo filósofo clássico, ensina como se tornar um grande líder a exemplo de outro sem exercitar a crítica, dizia ele – “valorize um homem de grande caráter e tenha-o sempre em mente. Então viva como se ele o estivesse observando e ordene as suas ações como se ele as visse”.

Mas se os líderes não puderem ser criticados, que novos líderes estaremos forjando? Serão eles são apenas cópias, em duas dimensões, de mitos. Perde-se a profundidade, perde-se o espírito crítico, esquecemos da falibilidade humana. E essa é uma das principais facetas do animal político que é o homem.

O que vem ocorrendo em Cuba nos remete à temeridade de não renovar quadros, de não investir em formação, de não substituirmos direções que embora históricas podem estar enfastiadas ou demasiadamente enraizados no cargo. Oxigenar os partidos e manter acesa a chama, isso é científico. O que vem ocorrendo em Cuba é uma lição a tirar.

E do ponto de vista prático e político frente a esta ameaça americana crescente contra a integridade de uma nação, a paz e a segurança na América Latina e no mundo, devemos exigir que o governo dos Estados Unidos respeite a soberania de Cuba. Todos nós, indignados com as injustiças, devemos nos colocar contra mais essa agressão ianque.

Israel e a Mídia Internacional

por Lejeune Mato Grosso*

Apesar de não apostar um centavo que a Resolução da ONU sobre o cessar fogo será integralmente cumprida na região do Sul do Líbano, especialmente por parte de Israel, a questão que quero tratar esta semana em minha coluna semanal é sobre como a mídia internacional trata a questão palestina e de Israel.
jornais árabes

Durante quase 20 anos de docência na Universidade, como professor de Sociologia Geral, ministrava de quando em vez a disciplina de sociologia da comunicação, cujo objeto central era a comunicação de massa como fato social e objeto de estudo dos sociólogos. Alguns colegas preferem chamar essa modalidade de Sociologia da Informação, cujo centro é o estudo do conteúdo do que se escreve, dos que se quer divulgar e quais os impactos que isso possa ter na sociedade e nos espectadores.

As regras de ouro da mídia grande

Já há algum tempo circula pela internet, de autoria anônima, um conjunto de comentários sobre o comportamento da mídia grande, da imprensa internacional, especialmente as grandes redes de TVs, quando o assunto central é Israel. Sempre chamei a atenção dos meus alunos para o fato que os guerrilheiros que lutam pela libertação da palestina não são terroristas como a mídia à serviço do sionismo e do neocolonialismo americano no Oriente Médio insiste em chamar esses lutadores. Muitas vezes, esses jovens palestinos têm que usar seus próprios corpos como arma para atingir seus objetivos, fazerem-se ouvir, ainda que isso possa causar dor e sofrimento. Em todas as épocas na história atividades de sabotagem, ataques e atentados foram utilizados. Já comentei em colunas anteriores que se formos levar a sério essa denominação de terrorista para quem usa o seu corpo, se mata para matar outras pessoas, o primeiro e mais famoso terrorista foi Sansão, da bíblia do Antigo Testamento, que ao derrubar as colunas do templo, matou pelo menos três mil filisteus (os antigos palestinos).

Gostaria de comentar aqui essas regras de ouro dessa mídia internacional.

1. No Oriente Médio, são sempre os árabes que atacam primeiro e Israel apenas se “defende”. Essa resposta chama-se “represália”. Os leitores mais atentos já devem ter percebido isso. Nunca é Israel quem ataca primeiro, ainda que praticamente todas as guerras de árabes e judeus tenha sido de iniciativa de Israel. A história registra massacres famosos perpetrados pelos terroristas do Irgun, do Haganáh e outros grupos judaicos a serviço de seu projeto sionista de colonização da Palestina. Assim, para o grande público, Israel é sempre “vítima” dos palestinos, numa nítida inversão de valores, pois não há equilíbrio de forças alguma entre essas duas partes no conflito e uma assimetria completa de forças. Os árabes é que sempre levam a culpa pelos conflitos;

2. Os árabes, os palestinos e os libaneses não têm direito de matar civil. A isso se chama de “terrorismo”. Israel tem o direito de matar civil. Isso se chama de “legítima defesa”. Nessa guerra recente, no massacre que Israel perpetrou no Líbano e na Faixa de Gaza, onde mais de 1,2 mil árabes foram mortos, alguns de forma mais atroz possível, os israelenses nunca foram chamados de terroristas. Ataques a civis quando são os judeus que fazem, não tem importância ou problema algum, mas quando são os guerrilheiros palestinos ou libaneses que o fazem, são “terroristas”. Quando Israel ataca indiscriminadamente árabes, como tem feito desde a instalação de seu estado em 1948, a imprensa grande chama essa atitude de “legítima defesa”, não importando quantos mortos ficaram pelo caminho, sejam elas crianças, mulheres, velhos, como no massacre de Sabra e Chatila em setembro de 1982, quando quase três mil palestinos foram assassinados pelas falanges libanesas protegidas pelo exército de Israel, sob comando de Ariel Sharon;

3. Quando Israel mata civis em massa, as potências ocidentais pedem que seja mais comedida. A isso se chama de “reação da comunidade internacional”. Não há esboço nenhum, além de pequenas reações de alguns países, tímidos, aos atos terroristas que Israel comete. A ONU mesmo se mostra impotente, pelo apoio direto que os Estados Unidos têm dado à Israel. Neste caso recente do massacre de mais de mil libaneses e quatro mil feridos e um milhão de deslocados, bem como a destruição quase completa de boa parte das cidades do Líbano, demorou 34 dias para que o Conselho de Segurança votasse uma Resolução do cessar fogo. Isso porque na verdade o que os países centrais não querem e talvez não consigam, é enfrentar a potência americana;

4. Os palestinos e os libaneses não têm direito de capturar soldados de Israel dentro de instalações militares com sentinelas e postos de combate. Isso se chama de “seqüestro de pessoas indefesas”. Israel tem o direito de seqüestrar a qualquer hora e em qualquer lugar quantos palestinos e libaneses desejar. Atualmente são mais de 10 mil prisioneiros, dos quais 300 crianças e mil mulheres. Nesse caso recente, o que ocorreu foi exatamente isso. Guerrilheiros palestinos capturaram, em combate, soldados israelenses, que não eram nem estavam indefesos. Ao contrário. Foram capturados em combate, dentro de suas fortalezas e com sentinelas. Mas toda a mídia saiu em defesa dos três soldados israelenses (dois seqüestrados pelos libaneses e um pelos palestinos). Israel para fazer seus seqüestros não necessita nem de processo, nem de culpabilidade. Simplesmente invade residências e prende quem achar que deve prender. Esses prisioneiros de guerra, que são também prisioneiros políticos, não tem direito a defesa e a um julgamento justo e Israel os mantém presos indefinidamente. Até membros do parlamento e do governo palestino, como recente seqüestro do vice-primeiro Ministro palestino. A isso a mídia internacional chama de “prisão de terrorista”;

5. Quando se menciona a palavra “Hezbolláh” na mídia grande, é preciso em seguida vir a frase “apoiada e financiado pela Síria e pelo Irã”. Quando se menciona a palavra “Israel”, é proibida a menção a “financiado pelos Estados Unidos”. Se isso ocorresse, poderia se dar a impressão de que o conflito é desigual e que Israel não estaria em perigo existencial. Ou seja, não se pode passar a idéia de que Israel é uma potência e que esta sempre ameaçada. Se um dos lados em conflito estiver apoiado por dois países islâmico, a opinião pública poderia aceitar mais “naturalmente” a reação israelense. Aqui, em lugar algum da mídia internacional levanta-se a simples e natural hipótese de que o apoio político e mesmo militar que Irã e Síria possam dar e não só seus governos, mas seus povos é na linha da solidariedade e comprometimento com a luta justa dos palestinos e libaneses. Israel recebe dos EUA ao ano e todos os anos regularmente, pelo menos quatro bilhões de dólares, além de toda a ajuda militar, armamentos etc.;

6. Quando a mídia se referir a Israel fica terminantemente proibida serem usadas as expressões “Territórios Ocupados”, “Resoluções da ONU”, “Violações dos Direitos Humanos” ou “Convenções de Genebra”. Israel viola sistematicamente todas as decisões da ONU – mais de uma centena – no que diz respeito aos territórios palestinos ocupados, violações de direitos humanos desse povo, bem como todas as convenções e tratados de Genebra sobre direito internacional. Trata-se de territórios palestinos ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias de junho de 1967, quando toda a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém foram ocupados, bem como parte do Líbano, da Síria e do Egito. Foi a maior expansão do Estado Judeu na história da região. A imprensa grande praticamente nunca menciona as dezenas e dezenas de resoluções que foram aprovadas seja pelo CS ou pela própria Assembléia Geral, condenando Israel. Este Estado – que alguns autores classificam como estado “bandido” – sequer se dispõe a cumprir resolução alguma da ONU e simplesmente não se fala mais nisso. Quando a resolução é para desarmar o Hizbolláh, faz-se um coro unido internacionalmente para que ela seja imediatamente cumprida. É a política de dois pesos e duas medidas que chamam os palestinos;

7. Todos os palestinos e libaneses são “covardes” que se escondem entre a população civil que “não os quer”. Os palestinos dormem em suas próprias casas, vivem com suas famílias. Israel chama isso de “covardia”. Em seguida, Israel bombardeia indiscriminadamente essas casas, e a mídia lhes concede o “direito” de aniquilar com bombas e mísseis centenas de líderes da resistência, usando bombas e artilharia aérea, matando-os, em sua maioria, quando estão dormindo. A isso a mídia chama de “ataques cirúrgicos de alta precisão” (sic);

8. Os israelenses falam melhor o inglês, o francês, o espanhol e mesmo o português que os árabes. Por isso eles e os que os apóiam devem ser mais entrevistados, devem repercutir suas próprias ações e ter mais oportunidades que os árabes inclusive as presentes regras de ouro do jornalismo com relação à Israel. A isso dão o estranho nome de “neutralidade jornalística”. Todas as redes internacionais de TVs e jornais que mantém correspondentes no Oriente Médio, sequer falam o árabe, língua de mais de 300 milhões de árabes, os maiores interessados em repercutir as ações que são tomadas em seus territórios. Mas, estes pouco ou quase nunca são ouvidos. TVs árabes não tem quase nenhuma penetração no Ocidente, salvo a recente Al Jazeera. Recentemente, uma crise se instaurou em território francês, quando foi censurada a TV Al Manar, que pertence ao Hizbolláh e esta deixou de ser veiculada pelo Eutelsat (canal europeu de satélite). Todos os outros canais árabes (Sharjah TV, Qatar TV, Saudi Arabian TV, Kwait Space Channel, Jamahirya Satellite Channel, Sudan TV, Oman TV e a Egyptian Satellite Channel), que não incomodam nada pelo alinhamento aos seus governos pró-americano, não sofreram nenhuma sanção (1);

9. Todas as pessoas e jornalistas que não estiverem de acordo com as regras anteriores serão considerados “anti-semitas” e até “terroristas de alta periculosidade”. Toda e qualquer crítica que Israel venha receber hoje na grande imprensa, logo o jornalista ou articulista é taxado de anti-semita. Tempos atrás, o combativo jornalista Robert Fisk, do jornal Independent de Londres, considerado progressista para os padrões londrinos, escreveu um artigo intitulado “Sem medo de chamado de anti-semita”, em uma profunda e forte crítica à forma como Israel vem tratando os palestinos.

Um cachorro americano

Gostaria de terminar minha coluna desta semana, compartilhando com meus leitores, para ilustrar os preconceitos que a mídia internacional tem contra os árabes e muçulmanos, contado a todos uma piada que, claro, recebi pela internet. O evento se passa nos Estados Unidos, no Central Park em Nova York.

Um homem passeava tranquilamente por esse famoso parque nova-iorquino, quando, de repente, vê um cachorro raivoso prestes a atacar uma menina indefesa de apenas uns sete anos de idade. Os curiosos olha, de longe, mas, medrosos, nada fazem para defender a menina. O homem não pensou duas vezes e lançou-se sobre o pescoço do cachorro, tomando-lhe a garganta e após muita luta, matou o raivoso animal e salvou a vida da menina. Um policial que acompanhou tudo maravilhado, aproximou-se e disse:
– Senhor, vossa senhoria é um herói. Amanhã todos poderão ler na primeira página dos jornais a seguinte manchete: “Um valente nova-iorquino salva a vida de uma menina”.
O homem respondeu:
– Obrigado pelo elogio, mas eu não sou de Nova York.
– Bom, disse o policial, então a manchete seria: “Um valente americano salva a vida de uma menina”.
– Mas é que eu tampouco sou americano, insiste o homem.
– Bom, isso é o de menos. E de onde você é então?
– Sou árabe, responde o valente homem.

No dia seguinte, vários jornais publicam a notícia com a seguinte manchete: “Terrorista árabe massacra, de maneira selvagem, um cachorro americano de pura raça em plena luz do dia e em frente a uma menina de sete anos que chorava aterrorizada”.

Não precisamos nem comentar a dura realidade. Quando isso vai mudar?

julho 21, 2006

Na luta pelo segundo turno, direita canoniza Heloísa Helena

editorial Vermelho

Desde o início de julho quando houve a largada oficial da sucessão presidencial, a oposição concentra-se no objetivo de arrastar a disputa para segundo turno. Para esse fim empreende ações múltiplas e nas últimas semanas intensificou uma delas: a operação de abanar as brasas da campanha de Heloísa Helena.

Essa tática da direita de fortalecer até o ponto que lhe interessa posições e candidaturas da pretensa ultra-esquerda é antiga e no cenário atual da contenda o seu uso é de uma obviedade perceptível, até ao olhar infantil.

A candidatura à reeleição do presidente Lula se apresenta com chances reais de ganhar no primeiro turno. O candidato da direita neoliberal Geraldo Alckmin, mesmo depois de intensa exposição na mídia, empacou no patamar insuficiente para impedir que Lula venha liquidar a fatura já no primeiro turno. A direita não vacilou um só segundo e sacou de uma arma tão velha quanto eficiente: passou a inflar a candidatura da senadora alagoana. Essa candidatura é tão "radical" quanto útil ao interesse da direita que desesperadamente luta para tentar empurrar a disputa para o segundo turno.

Nas últimas semanas, foi escancarado o tratamento "vip" dado pelos meios de comunicação à candidatura de Heloísa Helena. Além da exposição privilegiada, os editores capricharam na escolha das fotos e das imagens e os textos foram de uma benevolência comovedora. Quando foram divulgadas as recentes pesquisas alardeando o chamado fator Heloisa Helena, os analistas políticos apresentaram mil razões explicando a ascensão da candidata nas pesquisas, menos uma das principais: a "operação abano".

O prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, do PFL, demonstrando o apreço e o zelo, de ocasião, da direita pelos destinos da candidata do PSol passou a desempenhar pela Internet o papel de consultor político voluntário. Líderes do PFL e do PSDB em verso e prosa enaltecem os predicados políticos da senadora. Articulistas arriscam escrever madrigais: " Mulher, valente, amena no trato, uma fera na tribuna, símbolo de resistência da velha esquerda...." E mil louvores.

Em outras palavras, o complexo mídia-oposição realizou uma espécie de "beatificação" de Heloisa Helena. E a senadora, diga-se, esforçar-se para merecer. À imprensa disse que, de fato, é socialista, mas que no caso dela, "aprendeu a ser socialista lendo a Bíblia".

É no âmbito da linha política de sua campanha que se revela o outro motivo de seu crescimento momentâneo. Sua campanha tem sido "amena no trato" com quase todos os seus concorrentes, já seu "radicalismo" é direcionado unicamente contra Lula cujo governo, segundo ela, é formado "gente mentirosa, farsante ideologicamente e cínica".

Com esse discurso político visceral contra a verdadeira esquerda, com sua campanha direcionada contra Lula -- que é o único candidato do campo democrático, popular e patriótico que tem chances reais de derrotar a direita neoliberal -- a candidata do PSol está polarizando parcela do conservadorismo dos ricos e o protesto "chique" de setores das camadas médias. Isso está demonstrado na última pesquisa Data Folha que aponta que o melhor desempenho da candidata do PSol se dá nas camadas de maior renda. Outro dado esclarecedor: num eventual segundo turno, os 39% dos que pretendem votar nela migrariam para candidatura de Alckmin.

Para se colocar à altura das expectativas do conservadorismo que não admite a reeleição de Lula, Heloísa assume o ranço anti-popular desses setores da elite que se opõem às políticas adotadas pelo governo Lula para socorrer, emergencialmente, os brasileiros que foram lançados à miséria e à fome. Em relação ao Bolsa-Família, por exemplo, ela o tem como um programa que "joga meninas e meninos na prostituição, no narcotráfico e na criminalidade. É uma esmola que perpetua a pobreza".

Em um cenário como este, a candidatura Lula que tanto pelo que dizem as ruas quanto pelo que apontam as pesquisas tem plenas chances de vitória, inclusive já no primeiro turno, precisa apresentar ao povo brasileiro seus compromissos programáticos. A mensagem de que um novo governo Lula irá avançar na realização de um projeto nacional de desenvolvimento -- assentado na democracia, na soberania e na integração latino-americana, capaz de elevar a qualidade de vida do povo com geração de empregos e distribuição de renda -- é o melhor antídoto quanto à demagogia que venha quer seja da direita quer seja dessa chamada ultra-esquerda.

A candidata do PSol, ante sua subida momentânea nas pesquisas, fala em ultrapassar Alckmin e sonha com o segundo turno. Pura ilusão. Se porventura, a senadora mesmo de longe ameaçar o tucano, se verá, num átimo, essa mesma mídia que hoje a canoniza, a demonizará.

julho 17, 2006

Direita quer "mexicanizar" eleições no Brasil

por Ronaldo Carmona*

As duas últimas eleições presidenciais na América Latina, no Peru, em junho, e domingo passado no México mostraram de forma inequívoca uma pesada reação das forças neoliberais para bloquear a tendência progressista em ascenção na região nos últimos anos. Cabe às forças progressistas brasileiras, reunidas em torno da coalizão pela reeleição do presidente Lula ter em conta essa tentativa de ofensiva da direita na região, que não pode, absolutamente, ser subestimada.

As vozes mais radicais da direita já dão uma pista do que pode vir a ser a estratégia da campanha de Geraldo Alckmin. O prefeito do Rio, César Maia em seu spam (lixo eletrônico) diário, é bem direto na defesa da baixaria como arma para reverter a anemia de popularidade de seu candidato. Citando a recém encerrada campanha mexicana, diz ele: “(Calderon) começou lá embaixo, com 14%, 15%. Obrador já tinha 41%, 42%. Ele iniciou uma campanha dura, negativa, dissecando o Lopez Obrador e o populismo dele. Trouxe especialistas em propagandas desse tipo – seus comerciais são impecáveis e servem de exemplo para uma campanha que nós, que o Alckmin precisa fazer”. “Especialistas em propagandas desse tipo”, diga-se, são marqueteiros norte-americanos contratados pela campanha de Calderon, “especialistas” em contra-propaganda e baixarias de todo o tipo – um especialidade daquele país, demonstrativo do nível rasteiro da política nos EUA. Por aqui, Collor em 1989, também chegou a ser “assessorado” por esses “especialistas”.

O escritor direitista mexicano Carlos Fuentes, ao analisar a eventual eleição de Calderon, em entrevista ao Estadão (05/06/2006), não teve dúvida: “significa que a campanha do medo contra Lopez Obrador (...) funcionou”.

Como comentamos na semana passada, a marca fundamental da campanha mexicana foi o terrorismo da direita mexicana contra Lopez Obrador. Em comerciais de televisão, patrocinados por empresas privadas, através do Conselho Coordenador Empresarial, disseminou-se amplamente o medo de uma vitória de Lopez Obrador. Os mais “suaves” chamavam atenção para “o perigo de mudar de rumo”. Os mais extremistas, acusavam o candidato de ser “pau mandado” de Hugo Chavez. e até mesmo acusava-o de querer expropriar as residências da classe média, semelhante ao que se viu por aqui nas eleições de 1989.

No segundo turno das eleições presidenciais do Peru, entre Alan Garcia e Ollanta Humalla, algo semelhante ocorreu. O vencedor, Alan Garcia, que contou com a adesão da direita –
após sua candidata naufragar no primeiro turno –, baseou toda sua campanha na polarização com Hugo Chavez, que passaria a “mandar no Peru”, caso seu opositor vencesse.

A histérica campanha da grande mídia contra a Bolívia, após a nacionalização do gás em maio último foi uma pista de como se comporta o “partido único” da mídia na luta por impedir mais quatro anos de mandato das forças progressistas no Brasil. Essa semana, aliás, o ingresso da Venezuela no Mercosul – fato extremamente importante para a luta por integrar a América do Sul, pois cria uma coluna vertebral com Mercosul das geleiras da Patagônia ao Caribe –, ao invés de ser comemorada, foi alvo de uma forte campanha negativa da grande mídia. “Um sócio perigoso”, alertou em editorial, o Estado de São Paulo, porta-voz da fração da burguesia nacional vinculada ao projeto de hegemonia estadunidense na região. Noutra matéria do mesmo jornal, estampava “Chavez eleva a tensão no Mercosul”, na qual o jornal, em matéria assinada por seu correspondente de Londres, ouviu “especialistas” para chegar a essa esdrúxula conclusão.

Hugo Chavez, aliás, “satanizado” para essa grande mídia, assim como o foi no Peru e no México, parece ser culpado por todos os males da América Latina. Um exemplo disso. A colunista do Estadão, Sonia Racy, estampava ontem em sua coluna: “Hugo Chavez prejudica industria de sardinhas no Brasil” (sic). Surreal.

Como a estória de ficção do “mensalão”, bombardeada dia e noite por meses a fio não foi suficiente para abalar o prestigio do presidente Lula junto ao povo – cuja renda cresce a taxas chinesas, como vazou na mídia na semana passada –, os círculos das classes dominantes tramam ajustes em sua estratégia.

A motivação é derrotar Lula para colocar a frente do principal país da América Latina um governo dócil e subordinado aos interesses do império do norte. O candidato tucano não deixa duvida sobre isso. Ouvido pela agencia britânica Reuters, “criticou a adesão da Venezuela ao Mercosul” e “reforçou a visão de que poderia remontar a política externa do Brasil”. No mesmo despacho, declarou ainda “ser favorável a Alca”. Numa próxima coluna analisaremos mais detidamente as propostas de política externa no Programa de Governo do candidato da oposição.

Para a direita brasileira associada aos interesses de fora, do centro hegemônico do mundo, é desesperador pensar na possibilidade de mais quatro anos de Lula. Afinal, mais quatro anos sem Alca, mais quatro anos de fortalecimento do Mercosul e da integração sula-americana, mais quatro anos de altivez e soberania em política externa , com instrumentos como o G-20 na OMC impõem freios, ao menos parciais, ao neoliberalismo.

Assim, a coluna vertebral da integração sul-americana precisa ser quebrada custe o que custar. Afinal, para os EUA é uma ameaça estratégica, a longo prazo, a seu domínio unipolar do mundo – como também o são alianças como por exemplo a Organização de Cooperação de Xangai.

A reeleição de Lula, renovando seu mandato até 2010; a reeleição de Hugo Chavez este ano, num novo mandato até 2012; e a reeleição de Nestor Kirchner na Argentina no próximo ano, num novo mandato até 2011 é um pesadelo para Washington e para seus sócios na América Latina. Os três principais países da América do Sul unidos, com um programa integracionista ativo por pelo menos dez anos ininterruptos criam um embrião de um pólo sul-americano, atraindo outros paises menores até por “força gravitacional”.

Por isso é fundamental as forças progressistas brasileiras, agrupadas na batalha pela reeleição de Lula, terem em conta esse cenário de ameaças de “mexicanização” da campanha eleitoral. As forças do atraso e do retrocesso não brincarão em serviço.

A desastrosa viagem de Alckmin à Europa

por Ronaldo Carmona*

“Sem votos no Brasil, Alckmin faz campanha lá fora”. Sem receio de ter cometido um relativo exagero, esta foi a forma encontrada pelo insuspeito (de ser pró-Lula) jornalista Josias de Sousa, da oposicionista Folha de São Paulo, para comentar em seu blog a visita de Geraldo Alckmin à Europa na segunda e terça-feira desta semana.

Recebido por três portugueses – em Lisboa, o presidente Cavaco Silva e o primeiro-ministro José Sócrates, e em Bruxelas, pelo presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso –, carregando consigo o mais novo candidato a papagaio de pirata dessas eleições, Roberto Freire, presidente do moribundo PPS, o que mais chamou a atenção na viagem, no entanto, foram as desastrosas declarações do ex-governador de São Paulo sobre como “aprofundar a inserção internacional do Brasil”, segundo suas próprias palavras.

A viagem parece ter tido o único sentido de enviar uma mensagem de que num hipotético governo tucano voltaria a era fernandohenriquista da bajulação e do “complexo de inferioridade” (ou do “complexo de vira-lata”, como diria Nelson Rodrigues) na política externa.
O texto do esboço do Programa de Governo do PSDB divulgado na Convenção desse Partido em junho, aliás, é claro nesse ponto: “(...) temos interesses e responsabilidades que nos aproximam do mundo desenvolvido, as quais devemos assumir plenamente, sem constrangimento ou demagogia” (p.14). Antes, repete a orientação dominante no governo Fernando Henrique: “É inútil reclamar de processos que estão fora do nosso alcance, mas que afetam nosso presente e nosso futuro” (p.11), referindo-se a globalização e revelando o mesmo deslumbramento do ex-presidente que, aliás, era especialista em dizer bobagens a respeito, como na que comparou a atual etapa histórica do capitalismo à era do renascimento.

O governo Lula, ao invés de aceitar passivamente os preceitos da globalização neoliberal, ao contrário, tem jogado enorme energia na luta (ainda que defensiva) por uma nova ordem mundial, pelo desenvolvimento das nações em desenvolvimento, contra a diminuta margem de manobra dos paises em desenvolvimento para a promoção de políticas nacionais de desenvolvimento. Exemplo mais cristalino disto, é a luta por uma conclusão da Rodada “do desenvolvimento” de Doha num sentido favorável aos países em desenvolvimento – razão da criação do G-20 –, pelo que, inclusive, neste fim de semana, Lula estará na Rússia, na reunião do G-8, como convidado, para pautar essa questão, diante do iminente fracasso das negociações na OMC.

Nota-se que visão estratégica, projeto nacional é algo rarefeito na provinciana visão de mundo do sr. Alckmin. Nessa viagem à Europa, Alckmin saiu-se com a seguinte perola: “vejo que houve uma obsessão pela questão da cadeira no Conselho de Segurança da ONU e não houve, na prática, a concretização de nenhum acordo comercial”, confundindo alhos com bugalhos, trocando o pé pelas mãos como se diz. Talvez por ignorância, mas mais provavelmente fruto de sua visão de mundo, deixa claro que quer o Brasil submisso, dócil, sem jogar o papel que corresponde a um país que objetivamente, tem peso político, econômico, territorial, populacional e em recursos naturais para influir positivamente no mundo atual com a defesa de bandeiras progressistas nas relações internacionais, dentre elas a reforma das Nações Unidas e a necessidade de relançar o multilateralismo. Ao mesmo tempo em que fala manso com os ricos, Alckmin acusa o governo Lula de ser “dúbio e submisso” com a Bolivia. Essa é a marca tucana do “complexo de vira-lata”: falar manso com os poderosos e ser arrogante com nossos vizinhos e países assemelhados.

Isso fica claro também no que diz respeito à política de comercio exterior, onde estão os maiores riscos de retrocessos na hipótese de um governo do PSDB, pelo que se desprende das declarações do candidato oposicionista. “A Alca não andou, o acordo com a União Européia também não, acordos bilaterais não andaram”, disse ele na Europa. Noutra declaração, tratou de dizer “eu não descarto a questão da Alca. Acho até que passou um pouco o time (tempo)”, para em seguida ressalvar: “(mas) nós temos interesse”. A Alca e o acordo com a União Européia não saíram no atual governo por uma simples razão: implicavam, por seu conteúdo, em enormes restrições à possibilidade de o Brasil ter autonomia de políticas nacionais de desenvolvimento. Por isso se insistiu, corretamente, nas negociações no âmbito multilateral (OMC) e na diversificação dos mercados para as exportações – tendo como resultado a duplicação das exportações em três anos e meio e a reversão do déficit em conta corrente, o que para Alckmin, vejam só, é um problema como manifestou em entrevista recente (1)

Ao invés de autonomia e projeto nacional, o tucano defendeu o exato oposto: “novos contratos (de investimentos), atração de investimentos” (agencia Lusa, 10/07/2006). Ou seja, acordos bilaterais de investimentos, modalidade de negociação extratarifaria que é uma das características principais das atuais modelos de tratados de livre comercio negociados pelos países ricos e que implicam em fortes restrições à adoção de políticas nacionais.
Oferecer-se para a retomada da Alca, como fez Alckmin essa semana na Europa, é apequenar-se diante dos desafios de integrar a América do Sul, abrindo mão desse projeto estratégico, decretando o fim de qualquer possibilidade de desenvolvimento autônomo do Brasil e de seu entrono geopolítico.

Atraso e retrocesso. Essa é a marca deixada pelas desastrosas declarações do candidato tucano em sua turnê na Europa essa semana, viagem cujo sentido mais claro, a julgar por suas declarações, foi a de literalmente, vender o Brasil.

Nota

(1) “Repórter: E o cambio, qual o caminho? Alckmin: (...) O outro (problema) é o saldo da balança comercial. Nós estamos sendo vitimas do baixo crescimento. Se o Brasil estivesse crescendo forte, estaria importando mais e o saldo da balança comercial seria menor, e não empurraria o cambio para baixo (...)”. O Estado de São Paulo, 19/03/2006.

julho 06, 2006

Uma leitura sócio-cultural do futebol

por Diorge Alceno Konrad

"Por sorte ainda aparece nos gramados, ainda que seja muito de vez em quando, algum descarado cara-de-pau que sai não se sabe de onde e comete o disparate de desmoralizar toda a equipe rival, e ao juiz, e ao público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança à aventura proibida da liberdade."(Eduardo Galeano)

Definitivamente, alienação, poder político e interesses mercadológicos são sinônimos de futebol.

Senão vejamos. Todos sabem sobre o tricampeonato, na Copa do Mundo de 1970, utilizado pela Ditadura Civil-Militar como propaganda de um País que “ia pra frente”, como já fora utilizado por Vargas como símbolo da unidade nacional durante o Estado Novo.

Todos sabem como, no lugar do debate político e social, consciente e cidadão, o futebol toma horas entre os amigos nos bares e casas, com discussões apaixonadas, desgastantes e infrutíferas sobre o gol legítimo invalidado, o pênalti mal marcado, o impedimento não visto pelo juiz. Outro tanto da discussão se resume aos comentários risíveis e redundantes sobre imagens claras que são passadas e reprisadas, com opiniões banais de “especialistas”, como se o telespectador não tivesse condições de ver por si o que é transparente na tela da televisão.

Todos sabem que o futebol foi transformado em uma das mercadorias mais rentáveis. Em época de Copa do Mundo isto é mais visível ainda, a ponto de que o risco de nossa Seleção não passar para a próxima fase, envolve investimentos de bilhões. O Futebol nos decepciona quando soubemos que alguns são convocados para esta ou aquela seleção para valorizar seu passe, enquanto outros são mantidos no time para aumentar o valor de venda, muitas vezes tendo por trás dirigentes que empresariam suas carreiras.

E nós torcedores, fanáticos muitas vezes, que chegamos a matar pelas cores de nossos clubes ou Seleção, funcionamos como marionetes de interesses subterrâneos do futebol.

Definitivamente, futebol é sinônimo de alienação e de manipulação, tanto da mídia como da política. Definitivamente?

Como, então, explicar a paixão pelo esporte de milhões e milhões de brasileiros? Como entender a permanência da adoração que não resulta em violência, a ponto de o futebol ser encarado como símbolo de uma identidade nacional, da “pátria de chuteiras”, espécie de síntese de nossa formação sócio-cultural? (1)

Independente de nossa vontade, em uma sociedade onde o capital transforma tudo em mercadoria, inclusive as pessoas, não poderia ser diferente com o futebol.

Compreender isto, talvez, seja o primeiro passo, para que aqueles que “vivem do futebol” passem a questionar o sistema que os cerca. Não o futebol em si. Esta, como outras expressões históricas deverá ter maior permanência que as sociedades que o criaram.

A instrumentalização do esporte não explica sozinha esta forma contemporânea de relação social e cultural que ganhou milhões de adeptos em todo o mundo, em particular no Brasil. A música do Skank, especialmente para quem já foi a um estádio, sabe expressar muito bem a coisa linda que é uma partida de futebol.

Paulo Mendes Campos, ao cumprir o dever e não driblar o seu destino, que era amar o futebol, registrou em verso esta sina: amou-o. Sem deixar de amá-lo, o futebol pode ser entendido, analisado, julgado e ser visto além das simples oposições mecânicas entre alienação versus manipulação, frutos de leituras importantes, mas basicamente sectárias. Deve ser visto também como “um domínio em que conflitos sociais e dilemas nacionais são postos em evidência”. (2)

Nelson Rodrigues disse que nossa literatura ignorava o futebol e nossos escritores não sabiam cobrar um reles lateral. Pois bem, aos poucos a literatura foi abandonando esta ignorância. Os historiadores também.

Desde a tradição da história social inglesa, o futebol entrou na seara das pesquisas. Visto como um meio de disciplinarização e dominação sobre os grupos excluídos, mas também como expressão cultural dos trabalhadores fora da fábrica, o futebol ganhou o espaço acadêmico e já é tema do ensino nos bancos universitários e escolares. Eric Hobsbawm nos mostrou que, na Inglaterra, desde os últimos anos da década de 1870, o futebol já possuía uma modesta vida subterrânea como esporte para o espectador operário, se emancipando do patrocínio das classes média e alta na década de 1880, tornando-se cada vez mais parte do universo proletário, tanto para jogadores como para torcedores (3) .Assim acontecerá mais tarde no Brasil.

Na formação social brasileira, nasceu entre filhos de imigrantes e das elites, as quais impediram durante algum tempo os campeonatos entre as ligas dos bairros requintados e aqueles onde residiam pobres e operários. O Rio de Janeiro foi um exemplo. Mas a pressão social, através do futebol, rompeu o racismo ilustrado no “pó de arroz” dos jogadores negros, transformando o campeonato carioca de futebol, na década de 1920, em um único torneio, independente da origem social e étnica dos seus jogadores (4). Quantos clubes “ferroviários” nasceram perto dos trilhos de trem pelo Brasil, como forma de ampliação do mundo do trabalho?

Sob o ponto de vista social, o futebol é o sonho dos garotos pobres da periferia para a ascensão social. Uma minoria chega lá e a Seleção é o maior exemplo. Seus craques viram ídolos e referência de vida para milhares de meninos que, diante da desigualdade, mas estimulados pelo individualismo liberal, vêem que seu talento no futebol é a saída para uma vida de fama e dinheiro. Este imaginário tem sido mais forte que qualquer debate intelectual e acadêmico sobre o tema.

Do ponto de vista econômico, mesmo que com sua lógica, o futebol gera emprego e renda. Precisa ser socializado e ampliado, pois por eles muitos garotos e garotas poderão sair da situação de rua. Isto vai além dos puros “interesses do mercado”.Do ponto de vista cultural, o futebol tem sido a marca de sociabilidades que vão além de uma homogênea e artificial “identidade nacional”. Como identidade popular, manifesta nos milhões de adeptos, em especial entre os mais explorados da população, que deixam vazar por ele o sentimento de que alguma coisa pode unir os brasileiros, o futebol pode ser compreendido de forma mais ampla. Assim como a música para Graça Aranha, podemos argumentar que o futebol tornou-se manifestação de sensibilidade coletiva dos brasileiros. Podemos, então, questionar como ilegítima esta expressão cultural, assim como o samba?

Terminantemente, o problema não está no futebol em si. Sabemos que “a história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever”, como já disse Eduardo Galeano, ao comentar que o esporte se fez indústria, o jogo foi convertido em espetáculo, com poucos protagonistas e muitos espectadores, ao mesmo tempo em que a tecnocracia do esporte profissional foi impondo velocidade e muita força que renuncia à alegria, atrofiando a fantasia e proibindo a ousadia. (5)

E, mesmo assim, continuamos apaixonados e querendo cada vez mais futebol em nosso País economicamente dependente e culturalmente desigual, como queremos comida, bebida, diversão e arte.

Um País em que a oposição, cantada nos versos de Gabriel O Pensador, entre o Brazuca bom de bola, que deita e rola, e o Zé Batalha que só trabalha, que só se esfola, tenha fim. Sendo o futebol parte de uma redenção coletiva rumo a um Brasil socialmente justo, independente de nossas elites e de governos comprometidos com elas.

Notas

Este artigo, aqui ligeiramente modificado, foi publicado originalmente no Caderno Mix-Idéias do Diário de Santa Maria, na edição de 1º jun. 2006, p. 14-5, com o título “Um drible na alienação”.
1- “Pátria de Chuteiras” é uma expressão cunhada pelo escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, irmão de Mário Rodrigues Filho (aquele que deu nome ao Estádio do Maracanã) e autor, entre outros, de uma obra fundamental sobre o futebol brasileiro: O negro no futebol brasileiro.
2- Sobre isso, cf. o artigo “Classe, etnicidade e cor na formação do futebol brasileiro” de José Sérgio Leite Lopes, In. BATALHA, Cláudio; SILVA, Fernando; FORTES, Alexandre (org.). Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: Unicamp, 2004, p. 121-63.
3- Ver sobre isso o artigo “O fazer-se da classe operária, 1870-1914”, In. Pessoas extraordinárias: resistência, rebelião e jazz. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 91-114.
4-Um estudo aprofundado sobre este tema pode ser visto em PEREIRA, Leonardo. Footbollmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. Ver também o artigo “Gols de letra” de Bernardo de Hollanda, In. Nossa História, ano 1, nº 6, abr. de 2004, p. 45-9. Ver também a Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 1, nº 7, jan. 2006, com dossiê sobre o futebol, com artigos de Leonardo Pereira, Eduardo Galeano, Armando Nogueira, João de Almeida, Maurício Santoro e entrevista de Roberto DaMatta.
5-Talvez aqui esteja uma das razões de nossa seleção ter perdido para a França, adiando o hexacampeonato. Um futebol burocrático, sem brilho, amarrado a um esquema tático e a uma escalação que salientam outros interesses que não os exclusivos do futebol. Talvez os franceses não fujam também dos interesses subterrâneos que gerenciam o futebol. Porém, fizeram isto com uma aula de futebol e com um show de Zidane. De Eduardo Galeano, ver a sua crônica “O futebol”.

Seleção brasileira: o torcedor vrou freguês?

por Osvaldo Bertolino*

O “camisa-dez” saiu de campo — Zidane pode ser um dos últimos desse espécime — e com ele aquele líder com o poder de conduzir o time à vitória. Hoje, o futebol-brucutu é regido pela égide da ciranda financeira. Os berros dos técnicos têm o mesmo efeito da antiga gritaria dos operadores das bolsas de valores.

Nike, em grego, significa vitória. Mas para o futebol, principalmente agora com o fiasco do Brasil na Copa do Mundo, a marca esportiva pode ser associada a derrota. A novela Ronaldo — o seu principal garoto-propaganda no futebol — que se arrastou nos dias seguintes à partida contra a Croácia, ajudou a entender melhor os motivos que levaram a seleção brasileira a se distanciar do futebol exuberante de outros tempos. A derrota em si não quer dizer nada. Afinal, como esclareceu o locutor Galvão Bueno, da TV Globo, "só um time pode ser campeão". O que conta, nessa surra que levamos da França, é a diferença oceânica entre os dois times. A perfeição de Zinedine Zidane — ele é, de longe, o melhor jogador do mundo há muito tempo — é uma oportunidade para analisarmos o problema racionalmente.

Zidane jogou como o antigo “camisa-dez” — aquele jogador que usa mais o cérebro do que as pernas. Um time que conta com um jogador assim fica mais vistoso, mais inteligente. No Brasil, depois das gerações de ouro das décadas de 60, 70 e 80, vimos desfilar talentos como Giovanni, Alex, Diego, que sumiram do mapa futebolístico com a nova tática extra-campo. Aquela velha máxima de que o importante é competir cedeu lugar à disputa acirrada pelos bilhões de dólares que circulam nesse mundo rarefeito. O “camisa-dez” saiu de campo — Zidane pode ser um dos últimos desse espécime — e com ele aquele líder com o poder de conduzir o time à vitória.

O jogo mais caro da história

Saiu de cena o jogador respeitado pelo seu talento para entrar o atleta — ou técnico — temido por sua força, por seus gritos. Não há mais, no futebol “moderno”, aquela figura que gozava de um poder não instituído. Nas Copas do Mundo de antes, se falava tanto desse jogador quanto do nacionalismo mesquinho característico desse evento esportivo. Hoje, o futebol-brucutu é regido pela égide da ciranda financeira. Os berros dos técnicos têm o mesmo efeito da antiga gritaria dos operadores das bolsas de valores. Um título futebolístico tem papel tão derivativo quanto mudanças na cotação do peso argentino em relação ao dólar no futuro ou a taxa de juros embutida numa ação da Petrobras.

O prestígio esportivo da seleção brasileira, por exemplo, ajudou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a transformar o time numa máquina de fazer dinheiro. No ano passado, entre contratos de patrocínio, cotas de amistosos e vendas de direitos de transmissão, a seleção brasileira amealhou cerca de 35 milhões de dólares. É o equivalente a cinco vezes o faturamento registrado em 1994. Pouco antes do início da Copa da Alemanha, a CBF aumentou ainda mais suas receitas. A entidade fechou contrato com uma multinacional da área de licenciamento para a fabricação e a venda de produtos com a grife do time. O acordo rendeu 2 milhões de dólares, além de royalties pelos itens vendidos.

Muito mais significativo do que as cifras envolvidas é o movimento por trás delas. Mais da metade da receita anual da seleção brasileira é garantida por três grandes contratos de patrocínio — com a Nike, com a Ambev e com a Vivo. Outra fatia importante do faturamento vem das cotas pagas ao time pelos amistosos disputados no exterior. Nesse caso, vem sendo também registrado aumento substancial de valores ao longo dos últimos anos. O jogo mais caro da história aconteceu em março deste ano, quando a federação russa pagou 1,5 milhão de dólares para ver as estrelas comandadas pelo técnico Carlos Alberto Parreira enfrentar a seleção local, no Lokomotiv Stadium, em Moscou.

A transformação do mundo da bola

É quase o equivalente ao cachê de um show de estrelas do rock, como os Rolling Stones e o U2. Os direitos de transmissão de cada uma das partidas disputadas pela seleção são vendidos pela CBF à Rede Globo, que tem contrato de exclusividade para os canais abertos. A emissora paga 600 mil dólares por evento à entidade. No ano passado, por exemplo, a equipe disputou quatro amistosos e recebeu da emissora o total de 2,4 milhões de dólares. Até mesmo os períodos de treinos e concentrações são usados para aumentar os lucros da CBF. Nas semanas que antecedem a estréia na Copa da Alemanha, a seleção recebeu 1,2 milhão de dólares para se hospedar no luxuoso Park Hotel Weggis, na região de Lucena, na Suíça. O pacote incluiu a realização de dois jogos-treinos no país.

A transformação do mundo da bola num negócio milionário, ocorrida no início da década de 90, ajudou a seleção a atingir o atual faturamento. Graças à sua hegemonia nos gramados, o time alcançou patamar privilegiado de visibilidade no mais popular esporte do planeta. Isso gerou a multiplicação de valores de todos os negócios que envolvem a seleção. O time se beneficia também por reunir hoje uma série de figuras internacionalmente badaladas. Principal estrela da equipe, Ronaldinho Gaúcho é considerado o jogador com maior valor comercial do mundo, segundo estudo divulgado em março pela consultoria alemã BBDO. O trabalho avaliou que a imagem do meia da seleção brasileira e do Barcelona vale atualmente 47,6 milhões de euros.

Ambev e Ronaldo param a Guatemala

Na lista dos dez mais da BBDO, aparece ainda outro brasileiro, o atacante Ronaldo, cotado a 29,8 milhões de euros. Além dos ganhos com sua imagem, ele sabe como ninguém surfar nessa onda de negócios no futebol. Nunca um atleta brasileiro esteve no epicentro de somas tão estratosféricas. A Siemens, companhia alemã que fabrica desde softwares para computadores até reatores atômicos e tem faturamento de 80 bilhões de dólares, lançou uma linha mundial de celulares com a marca do jogador. O acordo foi firmado depois que uma pesquisa da empresa mostrou que a venda dos aparelhos cresceu 27% no Brasil apenas porque Ronaldo vestia a camisa do Real Madrid, clube patrocinado pela Siemens.

A Ambev, maior fabricante de bebidas do Brasil, tem uma experiência semelhante. A direção da companhia contratou Ronaldo para a inauguração de uma fábrica na Guatemala. O país parou, as pessoas invadiram as ruas e a maior rede de televisão local transmitiu durante 2 horas um programa sobre a vida de Ronaldo em horário nobre. Três meses depois, a Ambev, uma companhia de quase 2 bilhões de dólares, já detinha 40% do mercado local. E a Nike lançou uma linha de roupas esportivas com a assinatura do jogador. Essa linha vem se juntar aos produtos já oferecidos pela empresa, um colosso de 12 bilhões de dólares por ano –1 bilhão só com o futebol.

Ronaldo e o submundo do futebol

Muito já se falou sobre a atuação de Ronaldo dentro de campo. Ele já foi uma promessa do futebol, o Fenômeno, o desenganado pelos médicos e o melhor jogador do mundo. Mais recentemente, vem sendo chamado de "gordito" pela imprensa espanhola. Mas o que poucos conhecem é o funcionamento da estrutura por trás do jogador, uma máquina de gerar lucros para as empresas com as quais ele trabalha e, claro, para ele próprio. Hoje, Ronaldo é um dos atletas mais ricos do mundo. Sua saúde financeira deu origem a um bem estruturado grupo empresarial com oito companhias, o grupo R9.

Ronaldo já possui quatro empresas no ramo de imóveis, uma de participações e licenciamentos, uma clínica de fisioterapia e duas empresas só para gerenciar seus contratos de publicidade. Só estas últimas, a Emporio Ronaldo e a Mike (não confundir com Nike), lhe rendem mais de 60 milhões de reais por ano. Ele também transita pelo submundo do futebol — recentemente, seus antigos empresários, Alexandre Martins e Reinaldo Pitta, foram presos por envolvimento num escândalo de lavagem de dinheiro.

Série de denúncias de irregularidades

Como administradora da seleção, a CBF tem aproveitado esse cenário favorável para fechar bons acordos comerciais. "Até a década de 80, o time era sustentado por verbas do governo", afirma Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Aos poucos, as estatais foram sendo substituídas por empresas privadas. Os valores dos contratos de patrocínio alcançaram novo patamar quando a Nike se tornou parceira da seleção, em 1996. Até hoje a multinacional norte-americana contribui com parte substancial do faturamento da equipe: são 12 milhões de dólares por ano.

O contrato acaba de ser renovado até 2018. Uma cláusula prevê bônus de 6 milhões de dólares em caso de vitória nos mundiais de 2010, 2014 e 2018. Além do direito de ser a fornecedora de material esportivo do time, a Nike pode explorar a imagem da seleção em uma série de produtos. No mês antepassado, por exemplo, a empresa lançou uma linha de quatro relógios com as cores e o escudo da seleção. Cada modelo custa cerca de 600 reais. O aumento do faturamento do time brasileiro nos últimos anos veio acompanhado de uma série de denúncias de irregularidades nos principais contratos firmados por Ricardo Teixeira.

CPIS apuram indícios de 17 crimes

Os negócios foram alvo, nos últimos anos, de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), uma no Congresso e outra no Senado. O relatório final das investigações, divulgado em 2001, apontou indícios de 17 crimes envolvendo os principais dirigentes do futebol brasileiro, como evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. O Ministério Público Federal deu prosseguimento às investigações, mas os processos ainda não foram concluídos. E agora surgiu mais um problema. O promotor Rodrigo Terra, do Ministério Público do Rio de Janeiro, pediu o afastamento do presidente da CBF por causa de possíveis irregularidades ocorridas na venda de ingressos no Brasil para os jogos da seleção na Copa do Mundo da Alemanha.

A CBF indicou para realizar a comercialização a agência de turismo Planeta Brasil e outras três operadoras que pertencem ao empresário Wagner Abrahão, do Rio de Janeiro. Segundo denúncias de alguns consumidores, as empresas só estariam vendendo os ingressos mediante a compra de pacotes de viagem para a Europa. "Isso fere os direitos do torcedor, e o presidente Ricardo Teixeira, que deveria garantir transparência e agilidade à venda dos ingressos, deve ser punido pela situação", afirma Terra.

Influência dos patrocinadores

Os prejuízos desse modelo para o futebol são evidentes. Uma semana antes da Copa de 1998, por exemplo, a Nike, tentando capitalizar ao máximo o momento, convocou os jogadores para participar de uma festa de inauguração. O capitão Dunga (patrocinado pela Reebok) chegou a dizer que os jogadores deviam treinar, e não participar de eventos sociais. Depois da derrota para a França na final (por 3 a 0), foi levantada a possibilidade de que a Nike teria sido a responsável pela escalação de Ronaldo. Naquele evento ficou patente a influência dos patrocinadores nos destinos da seleção.

A confusão começou nos amistosos que antecederam a Copa de 1994. Como não havia comprado cotas de patrocínio nas emissoras de TV, a Brahma invadiu os estádios com placas e torcidas uniformizadas. O jogador Bebeto, patrocinado pela cervejaria, chegou a comemorar um gol fazendo o número 1 (exatamente como fazia nos comerciais da Brahma). Em represália, as câmeras da Globo enquadravam o campo apenas parcialmente, para impedir que a sinalização da Brahma entrasse em cena. O telespectador chiou com os cortes nas transmissões dos jogos. O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) intercedeu. No final, a Brahma diminuiu a presença nos campos e as emissoras voltaram a transmitir os jogos normalmente.

A Fifa também está contaminada

A Fédération Internationale de Football Association (Fifa) também está toda contaminada por esta lógica. Num artigo publicado na revista científica Lancet, alguns médicos questionaram a inclusão de companhias como a cervejaria Budweiser, a indústria de refrigerantes Coca-Cola e a cadeia de fast-food McDonald's como parceiros oficiais da Fifa. Segundo os autores do artigo, a entidade tem a obrigação de evitar relacionamentos com patrocinadores que não sejam adequados. Após a Copa de 2002, a Fifa recebeu uma premiação pelo combate ao fumo por ter feito o torneio com severas restrições a fumantes e rejeitando anunciantes ligados a empresas de tabaco.

Na Copa deste ano, no entanto, a proibição de se fumar nos estádios foi abolida e era possível encontrar isqueiros e cinzeiros entre os produtos oficiais da Copa. "A presença de parceiros da Fifa como a Budweiser, a Coca-Cola e o McDonald's ilustra bem o conflito existente entre o esporte internacional e a promoção de um modo de vida saudável", diz o artigo. "Esta tensão reforça a necessidade de se reavaliar as relações entre organizadores e seus patrocinadores, assim como dos governos assegurarem a eficiência das suas legislações e do investimento público no esporte de elite", afirmam os autores.

O poder do dinheiro grande

Na Copa da França, em 1998, os anúncios de bebidas alcoólicas ficaram fora dos estádios. E nem por isso os franceses deixaram de mandar a campo um time impressionante. O lema da Copa, C est beau, un monde qui joue (É bonito, um mundo que joga), completava aquela combinação de esporte e lazer. Mas era um esforço isolado. Ali perto, na Inglaterra, a Federação Inglesa de Futebol é patrocinada pelo McDonald's. O futebol do país está tomado por grupos econômicos — alguns deles operando com dinheiro de duvidosa procedência.

O renascimento do futebol no Reino Unido aconteceu a partir de 1992 quando Murdoch e a British Sky Broadcasting investiram milhões de libras esterlinas, pagando pelos direitos de transmissão ao vivo das partidas (até aquele momento, não havia cobertura ao vivo dos jogos das equipes inglesas) — um modelo que está sendo copiado em vários lugares, inclusive no Brasil. Um dos principais problemas é a publicidade na TV. A maioria dos canais não coloca anúncios no ar durante as partidas, pelo simples motivo de que o futebol é um esporte com pouco tempo de interrupção. Por isso, os nomes dos patrocinadores são expostos em placas em volta do campo. Já se fala em mudanças nas regras do futebol para facilitar a veiculação de comerciais na TV. Isso seria o fim do futebol tal como o conhecemos hoje. O problema é que o futebol está ganhando dinheiro grande. E o dinheiro grande muitas vezes acaba conseguindo o que quer.

junho 28, 2006

Juventude Comunista Portuguesa: "Transformar o sonho em vida"

Dias 20 e 21 de maio realizou-se o 8º Congresso da Juventude Comunista Portuguesa, no Pavilhão Municipal de Vila Nova de Gaia, Porto, sob o lema “Transformar o Sonho em Vida”.

A JCP, que atualmente ocupa a presidência da Federação Mundial das Juventudes Democráticas (FMJD), surgiu após a fusão da União dos Estudantes Comunistas e da União da Juventude Comunista, no fim dos anos 70. É a organização revolucionária da Juventude Portuguesa, herdeira de um trabalho de juventude com raízes no próprio exemplo de Álvaro Cunhal, principal figura da esquerda revolucionária portuguesa, que ingressou no movimento comunista com apenas 17 anos, e que faleceu em 2005.

Lá e aqui, a juventude tem uma grande referência pelas figuras históricas que deram a vida pelo socialismo. Um olhar cheio de respeito e carinho da juventude, como aqui temos em relação a Amazonas, Grabois, Diógenes Arruda e os guerrilheiros do Araguaia. Foi prestada bonita homenagem a Álvaro Cunhal, através de vídeo que mostrou o caminhar de Cunhal desde sua a juventude e seu carinho e atenção com o futuro. No Congresso participaram cerca de 700 delegados de todo país e delegações internacionais em representação de 20 organizações juvenis comunistas, revolucionárias e progressistas de 16 países, que estiveram reunidas no dia 19 de maio, participando do primeiro Seminário Internacional promovido pela FMJD, com o tema “A Luta da Juventude pela Liberdade e os Direitos Democráticos”. O 8º Congresso foi o ápice de um longo e intenso processo de debate, de luta, convívio e alegria, iniciado em Agosto de 2005. Pela primeira vez a JCP fez seu Congresso no Porto, o que foi recebido pela militância da Juventude e do Partido como uma grande honra. Isto mobilizou a militância a criar todas as condições logísticas para o Congresso e, ao mesmo tempo, receber as delegações estrangeiras. Exemplo deste esmero foi o apoio dados pelos camaradas do Porto, as condições do Congresso, a decoração impressionante do Ginásio que se converteu num grande auditório, o carinho com que foram recebidos os delegados internacionais pelas organizações de base e pela militância da JCP.

Momentos tocantes e demonstrativos deste sentido de irmandade internacionalista foram, entre outros aquele em que todo o Plenário do Congresso se voltou para aplaudir a presença das delegações estrangeiras, a deferência dos delegados diante das intervenções das organizações amigas e a atenção dada a todos os estrangeiros a fim de que se sentissem à vontade entre os portugueses.

Na construção do Congresso, ganhou destaque a pintura de centenas de murais alusivos ao congresso e faixas, por todo Portugal, atividades de finanças voltadas a garantir as condições do Congresso em toda a militância, impressão de distribuição de milhares de panfletos e centenas de reuniões preparatórias com milhares de militantes e amigos.Um congresso com grande presença estudantil e um movimento secundarista em ebulição também é algo que nos une aos portugueses. Olhando para os delegados, era impossível não reparar nas semelhanças com a moçada nossa no Brasil, inclusive na alegria, na espontaneidade, sem que isto impedisse que no plenário e nas atividades fosse tudo atenção e envolvimento. Esta moçada, ao som da Carvalhesa (escute clicando aqui), tomou as ruas de Portugal no dia 20 de maio, à noite, numa bonita marcha que reuniu centenas de pessoas, e não poucas foram as casas que abriram as janelas e portas para saudar a juventude que saiu às ruas defendendo sua identidade comunista e denunciando o Processo de Bolonha.

O Congresso aprovou o Projeto de Resolução Política, a Direção Nacional da JCP foi eleita, composta de 93 militantes, tendo havido também a eleição de sua Comissão Política e o Secretariado, cujo mandato é de três anos.A JCP confirmou sua presença no Brasil, com a vinda de um membro de seu Secretariado, o camarada Luís Garrido. Será a nossa vez de recepcionar a JCP e as delegações irmãs que vêm prestigiar nosso congresso e o Seminário da Federação com a atenção e o carinho com que fomos recebidos.

Nos EUA, ricos ficam cada vez mais ricos, e pobres cada vez mais pobres

Editorial Vermelho

O aprofundamento da opressão sobre os povos dos países pobres é um dos efeitos mais visíveis da globalização neoliberal, imposta ao mundo nas últimas três décadas a partir dos centros financeiros mundiais, principalmente Washington e Nova York.

Outro aspecto menos visível, embora igualmente injusto, opressivo e dramático é o tema de capa da última edição de The Economist, a tradicional revista conservadora britânica e principal porta-voz da alta finança internacional e seu programa neoliberal. Sob o título de “Desigualdade e o sonho americano”, ela relata o agravamento da distribuição de renda e o aumento da distância entre ricos e pobres nos Estados Unidos, que joga sobre os ombros dos trabalhadores norte-americanos a carga pesada da ameaça de desemprego, precarização do trabalho, redução de direitos sociais e da proteção social (como saúde e previdência), salários menores. Uma agenda semelhante àquela que é imposta aos demais trabalhadores pelo mundo afora.

A produtividade do trabalho disparou desde 1995 e hoje cada trabalhador norte-americano produz 30% mais do que há uma década. Esses ganhos, contudo, traduziram-se num rápido crescimento da renda dos mais ricos, enquanto os trabalhadores mal conseguiram repor a inflação do período. O salário de um trabalhador americano típico teve crescimento real menor do que 1% ao ano desde 2000, enquanto nos cinco anos anteriores esse aumento foi de 6%.

A situação é tão grave que, segundo um estudioso citado pela revista, a longo prazo os EUA ficarão numa situação semelhante à do Brasil, um país “notável pela concentração da renda e da riqueza”. Essa avaliação é apoiada em dados da OCDE que mostram os EUA como o mais desigual entre os países ricos: lá, o índice de Gini para medir a concentração da renda alcançava a marca de 0,4 em 2000; no Brasil aproximava-se de 0,6, enquanto na Inglaterra era pouco maior do que 0,3, e na França e Alemanha, um pouco menor do que 0,3.

O aumento da distância entre ricos e pobres pode ser medido, diz a reportagem, pela variação dos salários, renda familiar ou estatísticas de consumo. Mas todas as medidas mostram que, no último quarto de século, os que mais ricos melhoraram em relação aos que tem renda média e estes, por sua vez, foram mais felizes do que os que estão na base.

A verdade, diz a revista, é que estes vinte e cinco anos foram cenário de uma forte concentração de renda. A parte da renda abocanhada pela parte da população formada pelos 1% mais ricos dobrou entre 1980 e 2004, passando de 8% do total para 16%; se forem levados em conta os ganhos da parcela formada pelos 0,1% mais ricos, o crescimento foi maior e triplicou, passando de 2% do total da renda em 1980 para 7% hoje. Já os muito ricos, formados por apenas 0,01% do total da população, tiveram sua parcela na renda multiplicada por quatro, passando de 0,65% em 1980 ano para 2,87% hoje.

Um exemplo dessa desproporção gigantesca – deixando-se de lado os ganhos de ultramilionários como Bill Gates, cuja fortuna é calculada em 50 bilhões de dólares – é a renda média dos 22.400 empregados de uma agência financeira como a Goldman Sachs. Entre salários e benefícios, eles recebem por ano cerca de 500 mil dólares!

O credo neoliberal prega o estado mínimo, deixando livre a ação do capital, sem leis para regulamentar salários e preços, cortando benefícios sociais, como assistência médica, educação e previdência social. A liberdade de mercado – este sinônimo contemporâneo para a expressão capitalismo – é a suposta lei natural que os grandes financistas e seus acólitos defendem para regular as relações econômicas, políticas e sociais. Foi a partir da pátria desse dogma, os EUA – e da Inglaterra de Margareth Thatcher – que ele se difundiu pelo mundo desde a década de 1970.

Mas os EUA também são – como mostra a reportagem de The Economist – uma vitrine dos malefícios provocados pela globalização neoliberal e pelo estado mínimo que, abandonando a proteção dos trabalhadores e dos mais pobres, deixa livre a ganância e a sanha do capital, que multiplica seus lucros explorando os trabalhadores de todos os países, inclusive os trabalhadores dos países ricos.

Os equívocos do voto nulo

Por Antonio Augusto de Queiroz

O clima de indignação de parcela importante do eleitorado nacional poderá levar pessoas sérias e bem-intencionadas a cometer equívocos de graves conseqüências, como o de votar nulo.
O pressuposto para votar nulo, inteiramente falso, é de que se 50% mais um dos eleitores anularem seus votos, o pleito também será nulo, devendo a Justiça Eleitoral convocar nova eleição no prazo de 20 a 40 dias.

Nada mais falso. Os votos válidos, considerados pela eleger presidente, governador, prefeito, vereador, senador e deputado, excluem os brancos e nulos. Logo, o voto nulo não altera absolutamente nada para efeito de eleger e diplomar os eleitos, pelos simples fato de que não será considerado.

As expressões “se a nulidade atingir mais de metade dos votos”, invocada como condição para anular uma eleição, não se referem aos votos anulados no ato de votar, mas aos votos obtidos de forma fraudulenta ou viciada. Exemplo: se um candidato, contrariando a lei, doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, em troca do voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, poderá ter seu registro cassado e todos os seus votos anulados.

A eleição só será anulada, portanto, se mais de 50% dos votos forem obtidos por candidatos de forma fraudulenta ou viciada, o que, convenhamos, é muito pouco provável. Logo, votar nulo, antes de ser uma atitude de protesto, se constitui em omissão e também em alienação política.
O voto nulo, portanto, não é a solução. Além de um desserviço à democracia e à sociedade, é um inócuo como protesto político, mas que poderá ter conseqüências graves para a população, especialmente para a maioria pobre, menos organizada ou pouco informada sobre o papel dos titulares de mandatos nos poderes legislativo e executivo.

Em lugar do voto nulo ou branco, recomenda-se o voto consciente. Pode-se votar em novos candidatos ou nos atuais, e entre os atuais há muita séria e decente. Entretanto, qualquer que seja a decisão, o eleitor deve sempre buscar conhecer os candidatos, suas idéias, sua trajetória política, seu compromisso com valores como democracia, ética, moral e, principalmente, com os interesses da maioria do povo.

Os meios para fazer uma escolha consciente são muitos e vão desde os sistemas de busca na internet, passam pela consulta a organizações da sociedade civil até a leitura de periódicos, como jornais e revistas. Vivemos numa democracia representativa e devemos conhecer muito bem as pessoas nas quais pretendemos votar ou a quem vamos dar uma procuração para nos representar, inclusive para cobrar atitudes, comportamentos e votos.

Mulher, mídia e movimentos culturais

por Jandira Feghali

O movimento funk tem raízes histórias e conteúdo social, mas transformou-se em atração comercial de gravadoras e televisões, que exploram e vulgarizam a imagem da mulher e colaboram com a erotização infantil.

A recente polêmica em torno da música funk reacendeu as atenções da sociedade e do movimento feminista para a imagem da mulher, a repercussão sobre a sua vida cotidiana e, para ser mais concreta, a erotização precoce das crianças.

Várias opiniões e dúvidas se expressaram nas diversas formas de comunicação, até mesmo os cientistas sociais se dividem e por vezes trocam acusações de preconceito contra as camadas mais populares, nas quais o funk criou raízes.

O antropólogo Hermano Vianna foi o primeiro a estudar e publicar opinião sobre o assunto com o seu livro “O mundo funk carioca”, já sensibilizado com as grandes festas do subúrbio carioca e com o conteúdo das suas manifestações. Em matéria do caderno “Idéias” do Jornal do Brasil, em março deste ano, a antropóloga Alba Zaluar diz: “O funk provoca uma separação brutal entre os sexos e acentua a hipertrofia da sexualidade como forma de afirmação masculina”. Já Micael Herschmann, professor de comunicação, historiador e pesquisador do tema opina: “O funk já teve outros momentos de evidência, assim como o axé e o sertanejo, faz parte de uma dinâmica cultural que tem articulação com o mercado. Antes mostravam mais os raps das comunidades, hoje dão destaque ao humor com dimensão erótica”, realçando aí o enfoque da mídia.

Com suas origens na década de 30, no sul dos Estados Unidos, a partir da música negra, o funk sofreu influências do rhythm and blues, do gospel e do soul de crescente conteúdo reivindicatório. Já na década de 60, com ritmo marcante e forte, surge com jeito próprio e novas técnicas de mixagem, e seus representantes vão conformando expressões como o rapper (repentista) e o MC (mestre de cerimônias), que misturam canto e fala nos bailes realizados em locais públicos e denunciam os problemas dos negros nos guetos de Nova Iorque.

Surgem as músicas rap, o estilo hip hop e a dança break. No Brasil, nos anos 70 e 80, iniciam-se os bailes de breve passagem pela zona sul e com instalação rápida e mobilizadora nos bairros do subúrbio e zona oeste, com participação de milhares de jovens e com produção musical expressiva da realidade de exclusão, como a música “eu só quero é ser feliz” de Claudinho/Doca, da Cidade de Deus.

Como destaca o relatório da CPI do Funk, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, instalada para averiguar denúncias de violência, esses bailes passaram a representar quase que a única forma de lazer dessa juventude carente e ainda diz “As ações do poder público, em geral, resumiram-se à repressão e ao cerceamento de manifestação cultural deste segmento da juventude e da sociedade. Como, por exemplo, nos anos 70, quando diversos promotores de baile adeptos do movimento black-rio foram obrigados a prestar depoimentos aos órgãos oficiais de repressão, em virtude do caráter das mensagens difundidas nos bailes. Temas como liberdade, orgulho da raça negra, igualdade de oportunidades para todas as raças ...”.

ViolênciaA violência não pode ser analisada fora do contexto da vida desses jovens que, em favelas ou bairros carentes, convivem com a violência do tráfico, da polícia e de casa. Dados recentes do Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas e de pesquisas da Secretaria de Segurança do Rio mostram que hoje a maior causa de mortes entre pessoas de 15 a 24 anos é a arma de fogo. Mas, apesar disso, dizem os estudiosos e freqüentadores, a violência não é a marca predominante das festas.

Modestamente, após a observação atenta de diversas opiniões e a participação em debates, quero concordar com a legitimidade do funk como movimento cultural e que tem na sua história a expressão maior da exclusão. Por isso, sim, vítima de preconceito e desprezo do poder público. No entanto, não podemos retirar de uma análise mais abrangente o papel devastador da lógica de mercado, dos interesses da mídia e da indústria fonográfica, para explicar as distorções mais recentes. Aí é onde devemos concentrar nossas preocupações. O sambista Nei Lopes, segundo matéria publicada no “JB” em março de 2001, considera que a comparação com a repressão sofrida pelo samba vale para o período em que o funk estava restrito ao gueto e expressava a insatisfação das populações excluídas, gerando o preconceito das classes dominantes. “Agora os funkeiros são brancos e chegam aos bailes em carro importado. E como virou modismo de opinião, as gravadoras vão explorar até o bagaço”.

Mesmo que não façamos a mesma generalização, este sentimento é gerado pela flagrante expansão do funk para a classe média da zona sul carioca. Como se deu essa expansão quando a realidade social é outra? Que tipo de artifícios foi utilizado? Que concessões foram feitas?
TapinhaO funk cresce e se espalha utilizando uma face desfigurada e abjeta, mercantil, comercial, vulgarmente erotizada, de massificação de valores relativos às mulheres que negam e renegam uma história difícil e corajosa de lutas e conquistas. A promiscuidade passa a ser sinônimo de modernidade, as mulheres como brindes ou na dança das cadeiras aparentemente irreverentes. Soa natural, como deve soar a violência contra elas, afinal, “um tapinha não dói”. A feminilidade, a sensualidade, a beleza corporal ficam como que nas prateleiras e restritas a bundas e peitos siliconados, anunciados em termos pejorativos. As adolescentes são chamadas à vida como “tchutchucas”, outras como “popozudas”. As que namoram todos são as “cachorras” e ainda têm as “preparadas e purpurinadas”, se é que não me esqueci de mais algum “adjetivo”. As letras são reveladoras e, desculpe-me a ousadia, aqui as divulgo em parte:
A música do chamado Bonde do Tigrão – A máquina do sexo, diz: “Máquina do sexo, eu transo igual a animal / A Chatuba da Mesquita do bonde do sexo anal / Chatuba come cu, depois come xereca / Ranca cabaço, é o bonde dos careca ...”

Na música Barraco III: “Me chama de cachorra que eu faço au-au/ Me chama de gatinha que eu faço miau / Goza na cara, goza na boca, goza onde quiser...” e ainda na música Jonathan II, gravada por um menino de sete anos!: “De segunda a sexta, esporro na escola / Sábado e domingo, eu solto pipa e jogo bola / Mas já estou crescendo com muita emoção, eu já vou pegar um filé com popozão ...” Ai que saudade do Sítio do Pica-pau Amarelo...

É bem verdade que isso não ocorre apenas com o funk, vide os exemplos da Feiticeira, Tiazinha, É o Tchan e a Boquinha da Garrafa. Este último, o criador de um exército de repetidores da dança “sensualizada” entre as crianças, expostas inescrupulosamente em programas “infantis” de televisão no período da tarde, é claro. É como se fosse uma derrota, acredito que momentânea, da perspectiva saudável da nossa juventude.

O papel da mídiaO papel da mídia é, sem dúvida, o mais danoso e perigoso. Desconstrói valores, forma outros, influencia comportamentos e gerações. Principalmente nos programas de TV. Usa o grotesco para identificar a população na sua realidade e tragédia, ocupando generosos espaços e conquistando grandes audiências.

No seminário promovido pela Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos para tratar da relação do movimento feminista com os meios de comunicação, um dos participantes, o professor Bernardo Kucinski, do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP, situou com propriedade o cretinismo jornalístico. Sem negar o auxílio do jornalismo investigativo, o papel de muitos articulistas, cronistas, colunistas, da maior competência e seriedade, o humor inteligente e ferino dos chargistas, interpreto o “cretinismo” como a corrida para ascensão acriteriosa, sensacionalista, que segue a linha mercadológica, submete a verdadeira informação à compulsiva busca do furo jornalístico, sucumbe às inverdades, à superficialidade, ao despreparo, à exposição de privacidade, à falta de ética. O erotismo acompanhado da vulgarização feminina é parte integrante da visão hegemônica da comunicação e das elites brasileiras.

Depois de assistir aos filmes “Cidadão Kane” e “O Quarto Poder” e ler livros como “Chatô”, todos os impactos tornam-se mais compreensíveis, mas não menos indignantes. Homens e mulheres vão sendo tragados pela mudança na concepção jornalística e não sabem como reverter este quadro. Nesta cena, onde o espaço para alguns tópicos é garantido, o movimento de mulheres não encontra facilmente seu espaço. Nossa ofensiva pela informação correta, coerente e esclarecida, não consegue competir com a máquina das disputas por audiência.

Um AlertaPrecisaríamos chegar ao ponto de abandonar os princípios que nortearam todas as nossas conquistas por uma notícia às avessas? Não creio. Aqui vem a importância da coerência. Nem sempre a expressão de nossas opiniões chega aos ouvidos da sociedade ou mesmo nossas ações conseguem atingir o mundo da informação. Realizamos na ação política o confronto com as diversas formas de violência contra a mulher e um imenso esforço para retirar as questões de gênero do obscurantismo e da marginalidade do debate. Com esses gestos provocamos, muitas vezes, reações preconceituosas dos que insistem em manter as questões femininas apenas no âmbito do espaço doméstico ou dos que tentam impedir o deslocamento das mulheres das páginas dos periódicos dirigidos restritamente aos desejos masculinos, e tentam perpetuar e lucrar com a imagem utilitária da mulher.

Essa realidade conflitante expõe o resultado ainda parcial das imensuráveis lutas contra a discriminação e pela igualdade política e social que as mulheres travaram ao longo do século 20. Foram campanhas com lemas “iguais, porém diferentes”, que construíram uma nova imagem da mulher, a protagonista de sua própria história, de seu papel de cidadã, da sua capacidade intelectual e de trabalho, do exercício de sua afetividade e sexualidade.

Não podemos deixar que nosso protesto seja rotulado como censura. É um alerta para enfrentarmos esse debate e não abaixarmos a cabeça à defesa pouco atenta do significado da liberdade de expressão, que encontra na Constituição brasileira o conceito de liberdade, conjugado com a não discriminação de gênero, raça e etnia, respeito aos valores da dignidade humana e dos direitos humanos contra a violência. Não podemos aceitar que alguns, mesmo que poderosos, agridam o coletivo, sua história e sua perspectiva futura, que quer negar a barbárie.
EstratégiaOs índices de violência contra a mulher no mundo são alarmantes. No Brasil, uma mulher é agredida, em casa, a cada quatro minutos. Esta realidade exige ações efetivas que desestimulem e punam os agressores e não o contrário. Cresce também o número de casos de gravidez na adolescência e doenças sexualmente transmissíveis em mulheres. Isto exige informação, orientação e assistência.

A mulher e sua inserção na mídia devem ser resgatadas. Mas temos de ter uma estratégia. É um desafio para o movimento feminista estudar a comunicação no mundo contemporâneo, suas transformações, formular, contribuir para uma nova consciência democrática e de controle social sobre a mídia impressa e radiodifusão, identificar as questões de gênero e inseri-las de forma adequada na informação, enfrentar, em última análise, o monopólio do quarto poder.
O Conselho de Comunicação SocialUm importante instrumento para abrir o debate é o Conselho de Comu­nicação Social, antiga reivindicação do Movimento pela Democratização dos Meios de Comunicação já aprovada em lei, pasmem, desde 1991, ou seja, há dez anos!

Como fórum, ainda consultivo, tem em sua composição representações de governo, empresas de comunicação e da sociedade civil e tem como uma das finalidades principais trabalhar diretrizes para a programação do rádio e televisão. Subsidiados pela Carta Magna e por leis infra-constitucionais como o Estatuto da Criança e do Adolescente, seus integrantes, entre os quais devemos lutar pela representação do movimento feminista, terão a importante missão de debater o conteúdo da programação e é essencial que estejam em destaque as questões de gênero, raça e educacionais.

A instalação desse Conselho faz parte, hoje, de uma luta iniciada com o presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e o movimento de mulheres já vai se integrando para exercer a sua competente pressão política. Essa conquista, apesar de seus limites, pode ser um importante instrumento da sociedade.

Queremos valorizar nossa cultura rica e plural, garantir que mulheres e homens sejam respeitados em seus papéis históricos, reacender nossa esperança de que devemos e podemos transformar.