setembro 19, 2006

Eleições e ideologia

por Eduardo Bomfim

As eleições de outubro próximo apresentam crescentes sinais de intolerância. Um dos exemplos mais contundentes foi a carta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, divulgada em sete de setembro passado, aos filiados e eleitores do PSDB.

As manifestações de exacerbação política espalham-se por todo o Brasil. Ressurgem velhos jargões pejorativos contra as esquerdas, historicamente usados durante os períodos de crise em nosso país.

Não existe clima para o conflito institucional que parcelas do tucanato pretendem criar na sociedade. Até porque vários membros do PSDB condenaram o conteúdo da missiva pública, assinada por FHC.

Algumas afirmações chamam a atenção. A primeira é a de que o candidato Lula será eleito pelos “ignorantes”. Ora, o voto é universal e secreto. A revolução de 1930 enterrou a eleição a bico de pena, o voto em aberto e o caráter discricionário do eleitor conforme a renda, a propriedade, urbana ou rural.

Nesse sentido, ele deixou de ser um privilégio das abonadas elites. A emergência de dezenas de milhões de trabalhadores brasileiros que produzem a riqueza nacional forjou significativamente a cidadania. Ainda não consolidada. Porque persistem males de origem estrutural. A imensa concentração da renda, a desigualdade social, o não acesso pleno a saúde, educação, casa e salários mais dignos.

A incontestável maioria da sociedade, demonstrada em pesquisas, até o momento, considera que no governo Lula as condições de vida melhoraram significativamente. Quer pela geração de empregos ou em função de programas na área social e outros indicativos.

Nas camadas médias, polarizadas, milhões apóiam o governo. A inflação que no final do governo FHC estava beirando ao descontrole, hoje se encontra em patamares irrisórios.

A vulnerabilidade da economia, uma ameaça constante no segundo mandato de FHC, encontra-se estabilizada. Impõem-se ainda, maior redução das altas taxas dos juros, índices mais robustos de crescimento.

Mas o ex-presidente, “príncipe da moeda”, ameaça desconsiderar o resultado das eleições. Propaga, nas entrelinhas, o golpe. Agrava, sobretudo, a vontade soberana da sociedade. Conduz o seu barco pelas ressacas agitadas do oceano. Na democracia, eleições limpas, assume quem ganhar.

Nota
Leia a carta de FHC na íntegra

A Caminho de Nairobi

por Fatima Oliveira

A luta internacional pelo direito à saúde como um direito humano, pautada pelos princípios da universalidade, da integralidade e da equidade, prepara o 2º Fórum Social Mundial da Saúde (2º FSMS), por ocasião do 7º Fórum Social Mundial (7º FSM), na África, de 20 a 25/1/2007, na cidade de Nairobi, capital do Quênia.
Não esquecendo os significados do simbolismo de refletir na África o lema orientador do FSM: “Um outro mundo é possível” e o do FSMS: “Uma saúde para todos é possível e necessária”. Integram tal esforço um número expressivo de articulações políticas que lutam pelo direito à saúde no mundo.

A prioridade é estabelecer diálogos com a sociedade civil africana e possibilitar o emergir do protagonismo e o fortalecimento dos movimentos sociais locais.

O tema do 2º FSMS será “África: espelho do mundo”, com vistas a “passar a idéia de que há um contexto na África em que se explicitam, de forma radical, as contradições produzidas pelo mundo capitalista neoliberal, também presentes em todo o mundo”.

O que “significa enfatizar a exclusão social de grande parcela de seres humanos e evidenciar as benesses do atual modelo de desenvolvimento para um pequeno número de pessoas. O FSMS discutirá esse modelo sempre pelo viés da saúde, relacionado aos outros temas. Neste sentido, o debate aborda o contexto local, mas por meio dele discutirá o problema do mundo”.

A proposta do 2º FSMS poderá aglutinar força política internacional considerável ao visibilizar mortes precoces preveníveis e evitáveis em todo o mundo, já que elas ocorrem de modo sistemático e poderiam ser reduzidas e contidas substancialmente pelo acesso universal à atenção à saúde com qualidade.

Para que o direito humano à saúde seja assegurado, exige-se a implementação de políticas públicas nas mais variadas áreas sociais que sejam capazes de imprimir uma marca humanitária que valorize a vida humana concreta, aquela já nascida, pois seres humanos necessitam de um ambiente social digno para que se desenvolvam em plenitude.

Só assim materializar-se-á a saúde como um direito humano fundamental, cuja atenção em casos de doenças jamais será devidamente suprida por serviços de saúde nos marcos de conceitos como mercadoria geradora de lucros, conforme preconizam as diretrizes neoliberais.

Devido aos altos custos financeiros para se chegar ao Quênia, a dificuldade de participação deve ser considerada.

É decisão do Comitê Internacional do 2º FSMS envidar esforços para que os debates que lá ocorrerão sejam transmitidos, sob o concurso das novas tecnologias de informação e comunicação para o maior número de países e sensibilizem o maior número possível de pessoas.

A Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe

(RSMLAC) e a Rede Feminista de Saúde integram o Comitê Internacional do 2º FSMS, objetivando que a temática da saúde da mulher, dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos transversalizem e ressoem nos debates, especialmente buscando formas de as africanas serem participantes ativas do 2º FSMS desde o processo preparatório.

O empenho é sensibilizar e contar com a presença e a voz das africanas, em grande estilo, para mostrar ao mundo, em um evento internacional de grande porte, as condições difíceis em que vivem, cujas repercussões na saúde são evidenciadas pela morte precoce, em todas as faixas etárias, e têm na morte materna, neonatal e infantil indicadores precisos do descaso dos governos para com a saúde, aqui entendida não apenas como a ausência de doenças, mas que também se expressa e se consubstancia nas condições degradantes da dignidade humana em que vivem as populações pobres em todo o mundo, inclusive nos países ricos e desenvolvidos, guetizadas em seus bolsões de miséria – espaços que as sociedades contemporâneas destinam aos despossuídos. Vamos a Nairobi!

setembro 13, 2006

Até que ponto vai o cumprimento do dever? E onde começa o abuso de poder?

Por Everton Mendonça

As vezes nos deparamos com aquelas situações que sempre vemos acontecer com os outros e ficamos imaginando, será que isto é real?.

Quem dá direito a policiais que estão à serviço da "lei" invadir locais, mandando todos encostar na parede, como se fossem marginais, e, no fim, levar preso uma pessoa que nada fez, que, como todos os outros apenas se indignaram com aquela situação, com aquela abordagem truculenta e sem necessidade. Então porque todos não foram detidos também? Porque somente um teve que passar por toda esta humilhação? Talvez quisessem mostrar serviço...

Serviço para uma sociedade corrupta e hipócrita, que gosta de exigir direitos, mas não sabe cumprir seus deveres, uma sociedade que se esconde por conveniência atrás de falsas moralidades, que se diz evoluída mas ainda está carregada de preconceitos, que luta consigo mesma para não deixar a máscara cair.

E que além disso, ainda tem a lei ao seu lado, uma lei que as vezes parece que foi feita a 300 anos e que não é igual para todos. Que só pune quem é pobre, quem não tem estudo. Uma lei que beneficia a nossa elite retrógrada, que põe seus interesses pessoais acima dos interesses da maioria.

Na delegacia, em meio a pessoas nervosas, cadeiras sem encosto e policiais truculentos, havia um texto na parede. Esse texto estava atribuído a um pseudo-repórter, que, diga-se de passagem, também é apresentador de reality shows.

Bom, nesse texto ele explicava como todos os policiais são bons e perfeitos, como todos eles sempre são as vítimas, como nós cidadãos que lutam por seus direitos somos seus carrascos, afinal, sempre estamos errados, e eles, somente "cumprem seu dever" podendo usar de toda forma de brutalidade e abuso de poder, pois como dizem, sempre nos protegem, sempre protegeram e sempre protegerão.

Realmente é revoltante a forma de agir de alguns desses nossos funcionários. Mas entenda-se, como pode alguém agir de forma realmente cívica se são adestrados numa instituição que usa os mesmos métodos de 100 anos atrás? Como querem respeito se muitos não sabem nem se respeitar?

Este texto expressa somente a indignação daquele que vos escreve, cidadão, estudante, trabalhador, que viu uma injustiça ser cometida com um amigo que é como ele. Mais um número que vai para as estatísticas.

setembro 04, 2006

Economia e rebeldia

por Eduardo Bomfim

Em ensaio na revista Argumento, Tito Ryff faz algumas considerações interessantes sobre as relações entre economia e política. Que a rebeldia é um valioso instrumento de trabalho dos economistas e cita José Ingenieros: a rebeldia é a mais alta disciplina do caráter.
Economista, considera um erro de parte considerável desses profissionais, quando trabalham com uma determinada distribuição de riqueza e renda e pensam que modificá-la é tarefa dos políticos, dos homens de ação social.

Lembra uma frase de Hayek, mentor da nova ordem neoliberal: é um erro a visão de que as sociedades possuem como origem alguma organização. Há uma ordem espontânea, e, portanto, falar em distribuição justa ou injusta de renda, é uma total ausência de bom senso. O mercado define o rumo das sociedades, o crescimento econômico, a ordem natural das coisas.

Não há, portanto, a necessidade da intervenção, através de estratégias de planejamento e investimentos em favor das maiorias deserdadas. A interferência do Estado na organização social deve reduzir-se ao menor limite possível. É o Estado mínimo.

Ressurgindo, assim, declara o ensaísta, sob novas condições históricas, a Economia do conformismo, sem inspiração social. A “ciência sinistra” (ou maldita), parafraseando Carlyle, horrorizado com as teorias de Malthus.

Mas a essência do mercado é o lucro. Jamais a superação das desigualdades sociais, regionais. A iniciativa dos setores do capital produtivo deve estar relacionada aos propósitos, imediatos ou estratégicos, do Estado nacional. Caso contrário, a resultante poderá ser a dependência, algum crescimento econômico, associado à progressiva concentração da renda.

Em razão da força hegemônica do neoliberalismo, nas últimas décadas, as análises de muitos economistas, em obras ou entrevistas, são tecnicistas, desprovidas de causa ou projetos transformadores, insípidas.

Aparentemente, mas só aparentemente, ausentes de sentido político.

O autor sentencia que uma das graves conseqüências dessa doutrina é a exarcebação do individualismo, acarretando a queda da solidariedade social, estendendo-se a todos os ramos da atividade humana.

A luta nos dias atuais, assim como em outubro próximo, será a derrota do neoliberalismo e os seus partidários. Ou como afirma o sociólogo Emir Sader, contra o monopólio da palavra e da riqueza.