julho 17, 2006

Direita quer "mexicanizar" eleições no Brasil

por Ronaldo Carmona*

As duas últimas eleições presidenciais na América Latina, no Peru, em junho, e domingo passado no México mostraram de forma inequívoca uma pesada reação das forças neoliberais para bloquear a tendência progressista em ascenção na região nos últimos anos. Cabe às forças progressistas brasileiras, reunidas em torno da coalizão pela reeleição do presidente Lula ter em conta essa tentativa de ofensiva da direita na região, que não pode, absolutamente, ser subestimada.

As vozes mais radicais da direita já dão uma pista do que pode vir a ser a estratégia da campanha de Geraldo Alckmin. O prefeito do Rio, César Maia em seu spam (lixo eletrônico) diário, é bem direto na defesa da baixaria como arma para reverter a anemia de popularidade de seu candidato. Citando a recém encerrada campanha mexicana, diz ele: “(Calderon) começou lá embaixo, com 14%, 15%. Obrador já tinha 41%, 42%. Ele iniciou uma campanha dura, negativa, dissecando o Lopez Obrador e o populismo dele. Trouxe especialistas em propagandas desse tipo – seus comerciais são impecáveis e servem de exemplo para uma campanha que nós, que o Alckmin precisa fazer”. “Especialistas em propagandas desse tipo”, diga-se, são marqueteiros norte-americanos contratados pela campanha de Calderon, “especialistas” em contra-propaganda e baixarias de todo o tipo – um especialidade daquele país, demonstrativo do nível rasteiro da política nos EUA. Por aqui, Collor em 1989, também chegou a ser “assessorado” por esses “especialistas”.

O escritor direitista mexicano Carlos Fuentes, ao analisar a eventual eleição de Calderon, em entrevista ao Estadão (05/06/2006), não teve dúvida: “significa que a campanha do medo contra Lopez Obrador (...) funcionou”.

Como comentamos na semana passada, a marca fundamental da campanha mexicana foi o terrorismo da direita mexicana contra Lopez Obrador. Em comerciais de televisão, patrocinados por empresas privadas, através do Conselho Coordenador Empresarial, disseminou-se amplamente o medo de uma vitória de Lopez Obrador. Os mais “suaves” chamavam atenção para “o perigo de mudar de rumo”. Os mais extremistas, acusavam o candidato de ser “pau mandado” de Hugo Chavez. e até mesmo acusava-o de querer expropriar as residências da classe média, semelhante ao que se viu por aqui nas eleições de 1989.

No segundo turno das eleições presidenciais do Peru, entre Alan Garcia e Ollanta Humalla, algo semelhante ocorreu. O vencedor, Alan Garcia, que contou com a adesão da direita –
após sua candidata naufragar no primeiro turno –, baseou toda sua campanha na polarização com Hugo Chavez, que passaria a “mandar no Peru”, caso seu opositor vencesse.

A histérica campanha da grande mídia contra a Bolívia, após a nacionalização do gás em maio último foi uma pista de como se comporta o “partido único” da mídia na luta por impedir mais quatro anos de mandato das forças progressistas no Brasil. Essa semana, aliás, o ingresso da Venezuela no Mercosul – fato extremamente importante para a luta por integrar a América do Sul, pois cria uma coluna vertebral com Mercosul das geleiras da Patagônia ao Caribe –, ao invés de ser comemorada, foi alvo de uma forte campanha negativa da grande mídia. “Um sócio perigoso”, alertou em editorial, o Estado de São Paulo, porta-voz da fração da burguesia nacional vinculada ao projeto de hegemonia estadunidense na região. Noutra matéria do mesmo jornal, estampava “Chavez eleva a tensão no Mercosul”, na qual o jornal, em matéria assinada por seu correspondente de Londres, ouviu “especialistas” para chegar a essa esdrúxula conclusão.

Hugo Chavez, aliás, “satanizado” para essa grande mídia, assim como o foi no Peru e no México, parece ser culpado por todos os males da América Latina. Um exemplo disso. A colunista do Estadão, Sonia Racy, estampava ontem em sua coluna: “Hugo Chavez prejudica industria de sardinhas no Brasil” (sic). Surreal.

Como a estória de ficção do “mensalão”, bombardeada dia e noite por meses a fio não foi suficiente para abalar o prestigio do presidente Lula junto ao povo – cuja renda cresce a taxas chinesas, como vazou na mídia na semana passada –, os círculos das classes dominantes tramam ajustes em sua estratégia.

A motivação é derrotar Lula para colocar a frente do principal país da América Latina um governo dócil e subordinado aos interesses do império do norte. O candidato tucano não deixa duvida sobre isso. Ouvido pela agencia britânica Reuters, “criticou a adesão da Venezuela ao Mercosul” e “reforçou a visão de que poderia remontar a política externa do Brasil”. No mesmo despacho, declarou ainda “ser favorável a Alca”. Numa próxima coluna analisaremos mais detidamente as propostas de política externa no Programa de Governo do candidato da oposição.

Para a direita brasileira associada aos interesses de fora, do centro hegemônico do mundo, é desesperador pensar na possibilidade de mais quatro anos de Lula. Afinal, mais quatro anos sem Alca, mais quatro anos de fortalecimento do Mercosul e da integração sula-americana, mais quatro anos de altivez e soberania em política externa , com instrumentos como o G-20 na OMC impõem freios, ao menos parciais, ao neoliberalismo.

Assim, a coluna vertebral da integração sul-americana precisa ser quebrada custe o que custar. Afinal, para os EUA é uma ameaça estratégica, a longo prazo, a seu domínio unipolar do mundo – como também o são alianças como por exemplo a Organização de Cooperação de Xangai.

A reeleição de Lula, renovando seu mandato até 2010; a reeleição de Hugo Chavez este ano, num novo mandato até 2012; e a reeleição de Nestor Kirchner na Argentina no próximo ano, num novo mandato até 2011 é um pesadelo para Washington e para seus sócios na América Latina. Os três principais países da América do Sul unidos, com um programa integracionista ativo por pelo menos dez anos ininterruptos criam um embrião de um pólo sul-americano, atraindo outros paises menores até por “força gravitacional”.

Por isso é fundamental as forças progressistas brasileiras, agrupadas na batalha pela reeleição de Lula, terem em conta esse cenário de ameaças de “mexicanização” da campanha eleitoral. As forças do atraso e do retrocesso não brincarão em serviço.

Nenhum comentário: